terça-feira, 16 de setembro de 2008

A rede humana de contactos sexuais

Indivíduos promíscuos são nós vulneráveis a abordar nas campanhas sobre sexo seguro.(0)

Ao contrário das redes bem definidas do “mundo real”(1), as redes sociais tendem a ser de alguma forma subjectivas(2,3), porque a percepção do que constitui uma ligação social pode diferir entre indivíduos. No entanto, o contacto sexual é um tipo de ligação inequívoca, e aqui analisamos o comportamento sexual duma amostra aleatória de indivíduos(4) para revelar as características matemáticas da rede de contactos sexuais. Descobrimos que a distribuição acumulada do número de parceiros sexuais distintos num ano decresce segundo a lei potencial de livre-escala, com expoente similar tanto para homens como para mulheres. A natureza de livre-escala da rede humana de contactos sexuais, indica que a estratégia das campanhas sobre sexo seguro, poderão bem ser um meio mais eficiente na prevenção do disseminar de doenças sexualmente transmissíveis.

Muitas das redes do mundo real(1) tipificam o fenómeno do pequeno mundo(5), assim chamado devido à surpreendente pequena distância média das interligações entre nós(6,7), na presença de elevados níveis de agrupamento(3,6) (Fig. 1). As redes de pequeno-mundo são classificadas como sendo de única-escala, larga-escala e livre-escala, dependendo da distribuição das suas ligações, P(k), onde k é o número de ligações associadas ao nó(8). A rede de livre-escala, que se caracterizam pela lei potencial inversa da distribuição acumulada , pode-se formar como consequência da ligação-preferencial entre nós bastante interligados (9,10).


Figura 1 – É um mundo pequeno: As redes sociais têm uma distância média entre ligações pequena e revelam alto nível de agrupamento. Pintado por Idahlia Stanley.

Analisamos os dados reunidos numa pesquisa sueca relativa ao comportamento sexual em 1996(4). A pesquisa envolveu uma amostra aleatória de 4.781 suecos (de idades entre os 18 e 74 anos), recorrendo-se de entrevistas pessoais e questionários. O nível de resposta foi de 59%, correspondendo a 2.810 participantes. Duas análises independentes dos erros de não resposta, revelaram que pessoas mais idosas, particularmente mulheres, estão pouco representadas na amostra, apesar desta distorção, a amostra é representativa em todas as dimensões demográficas.

As ligações na rede de contactos sexuais, aparecem e desaparecem à medida que as ligações vão sendo iniciadas e terminadas. Para se investigar as conectividades desta rede dinâmica, na qual ligações podem ter uma vida curta, analisamos primeiro o número, k, de parceiros sexuais ao longo dum período curto de tempo – os 12 meses anteriores ao estudo. A figura 2a mostra a distribuição acumulada de P(k), para os participantes femininos e masculinos. Os dados seguem de perto a linha recta representativa do duplo logaritmo, o que é consistente com a dependência da lei potencial. Os participantes masculinos reportam um maior número de parceiros sexuais que os femininos(11), mas ambos mostram as mesmas propriedades escalonares.


Figura 2 – A distribuição de livre-escala do número de parceiros sexuais femininos e masculinos. a, Distribuição do número de parceiros, k, nos 12 meses anteriores ao estudo. Note o elevado número médio de parceiros para participantes masculinos: esta diferença pode dever-se a “resultados tendenciosos” - expectativas sociais podem levar os participantes masculinos a exagerar no número de parceiros sexuais. Note-se que ambas as distribuições são lineares, indicando comportamento segundo a lei potencial de livre-escala. Além disso, as duas curvas são aproximadamente paralelas, indicando semelhantes expoentes escalares. Para participantes femininos, no intervalo de , e para participantes masculinos no intervalo de . b, Distribuição do número total de parceiros ao longo da vida inteira dos participantes. Para participantes femininos, no intervalo de , e para participantes masculinos no intervalo de . As estimativas para participantes femininos e masculinos correlacionam-se dentro da incerteza estatística.

Estes resultados contrastam com a distribuição exponencial ou gaussiana – para a qual há uma bem definida escala – existentes nas redes de amizade(8). Explicações plausíveis para a estrutura da rede de contactos sexuais aqui descrita, incluem, o aumento de habilidade na aquisição de novos parceiros à medida que o número de antigos parceiros aumenta, vários níveis de atractividade, e a motivação para se ter novos parceiros por forma a sustenta a auto-imagem. Os nossos resultados são consistentes com o mecanismo de associação-preferencial das rede de livre-escala: evidentemente, nas redes de contactos sexuais, tal como noutras redes de livre-escala, “o rico fica mais rico”(9,10).

De seguida, analisamos o número total de parceiros, , na vida do participante até à data do presente estudo. Este valor não é relevante para a estrutura instantânea da rede, mas pode ajudar na percepção dos mecanismos responsáveis pela distribuição do número de parceiros. A figura 2b mostra a distribuição acumulada, : para , os dados seguem uma linha recta num gráfico duplamente logarítmico, o que é consistente com a dependência da lei potencial nas caudas da distribuição.

A nossa descoberta mais importante, é a natureza de livre-escala da conectividade duma objectivamente definida e não profissional rede social. Este resultado indica que o conceito do “grupo nuclear” considerado nos estudos epidemiológicos(12) devem ser arbitrários, porque não há um limite ou fronteira bem definida que separe o grupo nuclear doutros indivíduos (como haveria para uma distribuição bimodal).

Os nossos resultados podem ter implicações epidemiológicas, visto as epidemias aparecerem e se propagarem mais rapidamente em redes de livre escala do que nas de única escala(6,13). Igualmente, as medidas adoptadas para conter ou parar a propagação de doenças na rede, têm de ser radicalmente diferentes para as redes de livre escala. As redes de única escala não são susceptíveis a ataque mesmo nos nós mais interligados, enquanto as redes de livre escala, apesar de resilientes a falha aleatória, são muito susceptíveis à destruição dos nós melhor ligados(14). A possibilidade da rede de contactos sexuais ter uma estrutura de livre escala, indica que, a estratégia das campanhas educativas sobre sexo seguro ao se focarem nos indivíduos com elevado número de parceiros, pode reduzir significativamente a propagação de doenças sexualmente transmissíveis.

Referências:

0 - Fredrik Liljeros, Christofer R. Edling1, Luís A. Nunes Amaral, H. Eugene Stanley & Yvonne Åberg, Nature 411, 907-908 (21 June 2001), The web of human sexual contacts.
1 - Azuma M, Enlow DH, Frederickson RG, Gaston LG (1975): A myofibroblastic basis for the physical forces that produce tooth drift and eruption, skeletal displacement at sutures, and periosteal migration. In: McNamara JA, ed., Determinants of Mandibular Form and Growth. Center For Human Growth and Development, Monograph No. 4, Craniofacial Growth Series, Ann Arbor: University of Michigan Press, pp. 179-207.
2 - Kochen, M. (ed.), The Small World (Ablex, Norwood, NJ, 1989).
3 - Wasserman, S. & Faust, K. Social Network Analysis (Cambridge University Press, Cambridge, 1994).
4 - Lewin, B. (ed.), Sex i Sverige. Om sexuallivet i Sverige 1996 [Sex in Sweden. On the Sexual Life in Sweden 1996] (National Institute of Public Health, Stockholm, 1998).
5 - Milgram, S. Psychol. Today 2, 60-67 (1967).
6 - Watts, D. J. & Strogatz, S.H. Nature 393, 440-442 (1998).
7 - Barthélémy, M. & Amaral, L. A. N. Phys. Rev. Lett. 82, 3180-3183 (1999).
8 - Amaral, L. A. N., Scala, A., Barthélémy, M., & Stanley, H. E. Proc. Nat. Ac. Sci USA 97, 11149-11152 (2000).
9 - Simon, H. A. Biometrika 42, 425-440 (1955).
10 - Barabási, A.-L. & Albert, R. Science 286, 509-512 (1999).
11 - Laumann, E. O., Gagnon, J. H., Michael, R. T. & Michaels, S. The Social Organization of Sexuality (University of Chicago Press, Chicago, 1994).
12 - Hethcote, H. W. & Yorke, J. A., Gonorrhea Trasmission Dynamics and Control (Springer Verlag, Berlin, 1984).
13 - Pastor-Satorras, R. & Vespignani, A. Phys. Rev. Lett. 86, 3200-3203 (2001).
14 - Albert, R., Jeong, H., & Barabási, A.-L. Nature 406, 378-382 (2000).

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