segunda-feira, 5 de março de 2007

Bons Rapazes Terminam em Primeiro – Parte 4/4

Continuação do texto Bons Rapazes Terminam em Primeiro – Parte 3(1).

Blood Is Thicker Than Water(2)

O texto original (presente na Internet) traduzido nos Posts anteriores está incompleto e termina com a parte 3 desta série. A presente e última parte, pretende completar o capítulo de forma ligeira mas elucidativa, evidenciando pontos não presentes anteriormente.

Richar Dawkins, deu uma boa razão pela qual Tit for Tat através de pequenos aglomerados conseguiria ultrapassar o referido limiar, e tornar-se numa EEE mesmo que no início o Deserta Sempre o fosse. No parágrafo que se segue Dawkins resume essa capacidade decisiva.

“Voltando atrás ao nosso limiar, Tit for Tat pode superá-lo. Tudo o que é necessário, é um pequeno aglomerado local, de uma espécie que tenderá naturalmente a elevar-se no conjunto da população. Tit for Tat tem um dom embutido, em que mesmo nas situações em que esta é rara, a permite ultrapassar o limiar para o seu lado. É como se houvesse uma passagem secreta por baixo desse limiar. Mas essa passagem contem uma válvula de sentido único: existe uma assimetria. Ao contrário de Tit for Tat, Deserta Sempre, embora uma verdadeira EEE, não pode usar a aglomeração como uma forma de ultrapassar o limiar. Pelo contrário. Aglomerados locais constituídos por indivíduos Deserta Sempre, longe de prosperarem pela presença duns dos outros, fazem especialmente mal nessa mesma presença. Longe de se ajudarem mutuamente, às custas do banqueiro, estes prejudicam-se constantemente. Deserta Sempre, assim, ao contrário de Tit for Tat, não tira qualquer vantagem de parentesco ou viscosidade da população.”

Esta capacidade irreversível, cuja sua base se encontra na capacidade de formação de grupos, revela que, apesar de na opinião de Dawkins a unidade de selecção natural ser o gene, esta selecção não se restringe a isso. Poderá haver uma unidade base, mas o corpo sobrevivente como um todo é de definição e empacotamento muito difícil. Aliás, no Capítulo 13(3), Dawkins dá exemplos de organismos cujos seu genes de forma indirecta afectam o fenótipo de outros. Indo até mais longe, falando de genes que de forma indirecta modelam pedras, na sua forma e tamanho, obviamente através de organismos.

O que interessa destacar, são as várias formas de funcionamento do ambiente, e perceber que as regras nele existentes, fazem com que a selecção natural, mais não seja do que a forma óptima de ajuste a essas mesmas regras. Na realidade, um organismo, ou um gene, nada mais é, do que um elemento limitado por um túnel na direcção da concretização efectiva a que se destina. Isto é, Deserta Sempre, tal como Tit for Tat têm com certeza objectivos iguais, recolher, ou ter o máximo de descendência, o problema está quanto à forma de os alcançar, em que a do Deserta Sempre simplesmente não segue tal túnel.

Além da definição de ‘amável’, Dawkins introduz o conceito de inveja:

“Introduzo agora outro termo técnico de Axelrod. Tit for Tat é também ‘não invejosa’. Ser-se invejoso, na terminologia de Axelrod, significa rivalizar por mais dinheiro que o do outro jogador, em vez de uma larga quantia do dinheiro do banqueiro. Ser-se não invejoso significa estar-se feliz pelo outro jogador conseguir exactamente o mesmo dinheiro que nós, desde que ambos ganhemos mais do banqueiro. Na realidade Tit for Tat nunca ‘ganha’ o jogo. Pense acerca disso e verá que este não poderá colectar mais que o seu ‘oponente’ em qualquer dos jogos, porque nunca deserta excepto para retaliar. O máximo que poderá conseguir será um empate com o seu oponente. Mas alcança cada empate com uma pontuação partilhada bastante alta.”

A cooperação ou não, depende do tipo de jogo que se disputa, por exemplo, como no caso do dilema do prisioneiro, se este é iterado ou não. Para tornar clara esta distinção, Dawkins explica o conceito de jogo de ‘soma nula’ e de ‘soma não nula’.

“(...) Teóricos de jogos, dividem-nos em dois tipos, ‘soma nula’ e ‘soma não nula’. Um jogo de soma nula é aquele em que a vitória de uma jogador é a derrota de outro. Xadrez é um jogo de soma nula, porque o objectivo de cada jogador é ganhar, e isto significa fazer o outro perder. O Dilema do Prisioneiro, no entanto, é um jogo de soma não nula. Existe um banqueiro, que paga aos jogadores, onde é possível para os dois darem as mão e caminhar rindo na direcção do banco.”

O jogo ou a situação de disputa, não se define de uma forma rígida como sendo ou não de soma nula. Dawkins dá o exemplo do divórcio entre casais, em que existe todo o interesse em haver cooperação (jogo de soma não nula) e que pode tê-la, transformado num jogo de soma nula, pelo sistema judicial inglês e americano.

“Considere o divórcio. Um bom casamento é obviamente um jogo de soma não nula, cheio de cooperação mútua. Mas mesmo quando termina, são muitas as razões pelas quais o casal pode beneficiar da cooperação continuada, e tratar igualmente o seu divórcio como um jogo de soma não nula. Como se o bem estar dos filhos não fosse razão suficiente, os honorários dos dois advogados farão uma rude mossa nas finanças familiares. Assim, obviamente, um casal civilizado e sensível começa conjuntamente por procurar um advogado, não é?

Bem, na realidade não. Pelo menos na Inglaterra, e, até recentemente, em todos os 50 estados dos EUA, a lei, ou mais estritamente – e significativamente – o próprio código dos advogados, não permito fazê-lo. Os advogados só podem aceitar um membro do casal como cliente. A outra pessoa é deixada na porta, e, não terá aconselhamento judicial ou será forçado a consultar outro advogado. E aqui é que a diversão começa. Separados, mas a uma só voz, ambos os advogados começam imediatamente a referenciar-se como ‘nós’ e ‘eles’. ‘Nós’, compreenderá, não significa eu e a minha mulher; significa eu e o meu advogado contra ela e o seu advogado. Quando o caso chega a tribunal, estará catalogado como ‘Smith vs. Smith’! É assumido tratar-se dum caso conflituoso, quer o casal o sinta como tal ou não, e possam ou não, ter acordado em ser especificamente amigáveis e sensíveis. E quem beneficia em trata-lo como uma rixa do tipo ‘ Eu ganho, tu perdes’? As chances são, de que apenas os advogados.”

Dawkins revela que poderá haver, apesar de tudo, alguma utilidade na inveja, ou melhor, que existem algumas dúvidas nesta matéria.

“E acerca de outros jogos na vida humana? Quais são os de soma nula e quais de soma não nula? E – porque não são a mesma coisa – quais os aspectos da vida vemos como somas nulas ou não nulas? Que aspectos da vida humana alimentam a ‘inveja’, e quais alimentam a cooperação contra o ‘banqueiro’? Pense, por exemplo, acerca do contrato salarial e nos seus ‘diferenciais’. Quando negociamos os nossos aumentos, seremos motivados pela ‘inveja’, ou cooperamos por forma a maximizar o nosso real rendimento? Assumimos, na vida real com nas experiências psicológicas, de que estamos a jogar um jogo de soma nula quando não estamos? Coloco simplesmente estas perguntas difíceis. A sua resposta está para além do âmbito deste livro.”

Há outro exemplo no mesmo capítulo de transição de um jogo de soma nula para soma não nula, trata-se dum jogo de futebol. Não é um exemplo muito interessante, basicamente descreve um conjunto de 3 equipas, em que uma delas irá descer de divisão. O jogo decorreu no dia 18 de Maio de 1977, e as equipas eram Sunderland, Bristol e Coventry, onde as duas últimas jogavam entre si com um desfasamento ligeiro entre jogos. A mural da história resume-se, às duas últimas equipas deixarem de jogar de uma forma normalmente competitiva, para passarem a jogar “na defensiva” e de forma amistosa, após conhecimento da derrota e descida de divisão da primeira. No entanto, termina o exemplo das equipas de futebol, com o seguinte:

“Desportos de espectadores como o futebol, são normalmente jogos de soma nula por uma boa razão. É mais excitante para as multidões, verem os jogadores a lutar de forma extrema uns contra os outros, do que vê-los a conviver amigavelmente. Mas a vida real, humana, vegetal e animal, não foi criada para benefício de espectadores. Muitas situações na vida real são, de facto, equivalentes a jogos de soma não nula. A natureza normalmente faz o papel de ‘banqueiro’, e os indivíduos podem assim beneficiar do sucesso alheio. Não têm de derrubar os rivais por forma a se beneficiarem. Sem nos afastar-mos das leis fundamentais do gene egoísta, podemos ver como a cooperação e a assistência mútua pode florescer mesmo num mundo basicamente egoísta. Podemos ver como, no significado de Axelrod do termo, bons rapazes terminam em primeiro.”

Um factor muito importante destes jogos, é que sejam iterados, como já foi tornado evidente anteriormente. Mas Axelrod chama a atenção para que estes tenham um fim desconhecido. Ou seja, uma longa ‘sombra no seu futuro’. Essencialmente, nestes jogos os jogadores não poderão ter conhecimento de quando irão terminar. Porque se o souberem, a última ronda será um jogo do dilema do prisioneiro não iterado, cujo desfecho será, como anteriormente evidenciado(4), DESERTA por parte de ambos os jogadores. Como consequência, deixa de haver necessidade de cooperação na penúltima ronda, e ambos os jogadores jogarão DESERTA de forma igualmente racional. E, de forma recursiva, todas as rondas terão como jogada previsível e racional DESERTA, tornando-se assim evidente a razão pela qual, é importante ser desconhecido o momento em que o jogo acaba.

De seguida, Dawkins dá uma excelente visão da continuidade entre jogos do tipo do Dilema do Prisioneiro Iterado e Não Iterado.

“A distinção dos matemáticos entre o jogo de ronda única do Dilema do Prisioneiro e a do Iterado é demasiado simples. Espera-se que cada jogador se comporte, como se possuísse um conhecimento continuamente estimado e actualizado, da duração total do jogo. Quanto mais longa for a sua estimativa quanto à duração do jogo, mais de acordo com a expectativa dos matemáticos de um verdadeiro jogo iterado ele irá jogar: por outras palavras, irá ser, mais amável, mais clemente e menos invejoso. Quanto menos longa for a sua estimativa quanto à duração do jogo, mais inclinado irá estar para jogar segundo a expectativa dos matemáticos de um verdadeiro jogo de ronda única: mais maldoso, e menos clemente.”

A noção do tempo de duração do jogo ou a falta dela, é abordada com um exemplo histórico. Este exemplo, remete-nos para a primeira guerra mundial, onde se desenvolveu um sistema chamado de “live and let live”(5). Este sistema, prosperou na linha da frente de batalha durante pelo menos dois anos, com início em 1914. Nele, o inimigo circulava com grande à vontade ao alcance do fogo das armas do seu próprio inimigo.

“No estado de guerra de trincheiras desses tempos, a sombra do futuro para cada pelotão era longa. Isto é o mesmo que dizer, cada grupo de soldados britânicos entrincheirados, podia esperar estar frente a frente com o mesmo grupo de soldados alemães por muitos meses. Mais, o soldado ordinário nunca sabia quando, ou se alguma vez, iria ser deslocado; ordens militares eram notoriamente arbitrárias, caprichosas e incompreensíveis para quem as recebia. A sombra do futuro era suficientemente longa, e suficientemente indeterminável, para iniciar o desenvolvimento da cooperação do tipo Tit for Tat. Da forma como foi providenciada, a situação era equivalente ao jogo do Dilema do Prisioneiro.

(...)

Cooperação mútua era indesejável do ponto de vista dos generais, porque não os estava a ajudar a ganhar a guerra. Mas era muito desejada do ponto de vista dos soldados de ambos os lados.”

Além da indeterminação do fim do jogo, a capacidade de retaliação é outro dos ingredientes essenciais, para que não hajam “deserções” e o jogo decorra de forma amigável.

“É importante, para qualquer membro da família de estratégias Tit for Tat, que os jogadores sejam punidos pelas deserções. A ameaça de retaliação deve estar sempre presente. Exibições de capacidade de retaliação eram evidenciadas no sistema live and let live. Tiros estrondosos de ambos os lados, mostravam a sua capacidade de fogo, não contra inimigos, mas alvos inanimados perto deles, uma técnica usada igualmente nos filmes do Far West (como o tiro a chamas de velas).”

No fim do capítulo, o caso dos morcegos vampiros é abordado, por forma a realçar a cooperação não parental. Basicamente, os morcegos partem todas as noites à procura de sangue para se alimentarem. No entanto essa tarefa não é fácil, e são muitos os indivíduos que acabam sem a tão desejada refeição. Por outro lado aqueles que conseguem, conseguem-no normalmente em grandes quantidades. Estes morcegos têm a capacidade de partilhar o sangue que possuem, regurgitando-o.

“Wilkinson averiguou o grau de perda de peso dos morcegos esfomeados. A partir destes, determinou o tempo necessário para um morcego saciado morrer de fome, o tempo equivalente para um morcego vazio de sangue, para todos os outros estados intermédios. Isto permitiu-o converter sangue em número de horas de vida prolongada. Ele descobriu, não surpreendentemente, que o grau de partilha é diferente, dependendo de quão esfomeado o morcego está. Uma certa quantidade de sangue adiciona mais horas à vida de um morcego altamente esfomeado, do que à de um menos esfomeado. Por outras palavras, embora o acto de dar sangue aumente as chances do dador morrer, este aumento é pequeno comparado com o aumento das chances de sobrevivência do receptor. Economicamente falando, parece plausível que a economia dos vampiros está conforme as regras do Dilema do Prisioneiro.”

Compreende-se da descrição anterior, que se está perante um jogo do Dilema do Prisioneiro, onde a cooperação se resume à partilha do sangue adquirido. A recompensa é a sobrevivência e a punição em último caso a própria morte.

Dawkins, conclui que tal como nos outros casos, a cooperação dos morcegos vampiros vai para lá das fronteiras de parentesco, e esta é uma conclusão mais importante que os mitos que lhe estão associados.

“Mas se temos de ter mitos, os factos reais acerca dos vampiros poderão dar-nos uma diferente moral da história. Para os próprios morcegos, não é apenas o sangue mais espesso que a água. Eles elevam-se acima dos laços parentais, formando os seus próprios laços duradouros de leal irmandade. Vampiros poderão estar na vanguarda dum confortável novo mito, um mito de partilha, e cooperação mútua. Eles podem pregar a ideia benigna de que, mesmo com genes egoístas no elmo, bons rapazes podem terminar primeiro.”


Documentário em inglês de Richard Dawikins sobre o tema Bons Rapazes Terminam Primeiro.


(1) – Traduzido de http://www-static.cc.gatech.edu/%7Eidris/Essays/Dawkins_The_Selfish_Gene.htm
(2) – Sangue é mais espesso do que água
(3) –
The long reach of the gene – The Selfish Gene, Richard Dawkins
(4) – Bons Rapazes Terminam em Primeiro – Parte 1
(5) – Vive e deixa viver

domingo, 4 de março de 2007

Bons Rapazes Terminam em Primeiro – Parte 3

Continuação do texto Bons Rapazes Terminam em Primeiro – Parte 2(1).

Robustez Estratégica num Ambiente Sórdido

Então, identificámos anteriormente duas características ganhadoras: amabilidade e tolerância. Esta conclusão quase utópica – de que amabilidade e tolerância compensam – foi uma surpresa para muitos dos peritos, que tinham tentado ser muito astutos ao submeter estratégias subtilmente maldosas; enquanto por outro lado, mesmo os que tinham submetido estratégias amáveis, não tinham ousado nada tão tolerante como o Tit for Two Tats.

Axelrod anunciou um segundo torneio. Recebeu 62 entradas e adicionou outra vez a Casual, totalizando 63. Desta vez, o número exacto de movimentos por jogo não foi fixado em 200 mas deixado em aberto, por uma boa razão que abordarei mais tarde. Podemos continuar a expressar pontuações como uma porcentagem do “fiel da balança”, ou do resultado da estratégia ‘coopera sempre’, mesmo que esse fiel da balança necessite de cálculos mais complicados, e não seja fixado nos 600 pontos.

Os programadores no segundo torneio tiveram acesso aos resultados do primeiro, incluindo a análise de Axelrod de porque razão Tit for Tat e outras estratégias tolerantes e amáveis terminaram tão bem. Era esperado que os concorrentes, registassem essa informação de uma maneira ou doutra. De facto, os programadores dividiram-se em duas escolas de pensamento distintas. Alguns, concluíram que amabilidade e tolerância eram qualidades evidentemente ganhadoras, e submeteram assim, estratégias tolerantes e amáveis. John Maynard Smith foi tão longe ao ponto de submeter a super tolerante Tit for Two Tats. A outra escola de pensamento, raciocinou que muitos dos seu colegas, tendo lido a análise do Axelrod, iriam agora submeter estratégias tolerantes e amáveis. Eles submeteram dessa forma estratégias maldosas, tentando assim explorar essas amabilidades antecipadas!

Mas uma vez mais, maldade não compensa. Uma vez mais, Tit for Tat, submetida por Anatol Rapoport, foi a vencedora, e colectou uns massivos 96% da contagem do fiel da balança. E uma vez mais, as estratégias amáveis, em general, terminaram melhor que as maldosas. Todas, excepto uma, das 15 estratégias melhor classificadas eram amável, e na base da classificação, de todas as 15 estratégias, apenas uma não era maldosa. Mas apesar de Tit for Two Tats ter ganho o primeiro torneio se tivesse sido submetida, não ganhou o segundo. Isto porque o novo torneio incluiu estratégias maldosas mais subtis e capazes de vitimar cruelmente tais clemências repetidas.

Isto sustenta um ponto importante sobre estes torneios. O êxito de uma estratégia depende das outras submetidas. Esta é a única maneira de explicar a diferença entre o segundo torneio, em que Tit for Two Tats ficou classificado bem baixo na lista, e o primeiro, em que Tit for Two Tats teria ganho. Mas, como disse anteriormente, isto não é um livro sobre o talento dos programadores. Há alguma forma objectiva de nós podermos concluir qual é a estratégia verdadeiramente melhor, num sentido mais geral e menos arbitrário? Os leitores dos capítulos anteriores já estão preparados para encontrar resposta na teoria da Estratégia Evolucionariamente Estável(2).

Eu fui um desses por quem Axelrod circulou os seus resultados iniciais, com um convite para submeter uma estratégia para o segundo torneio. Eu não o fiz na altura, mas dei uma outra sugestão. Axelrod já tinha começado a pensar segundo os termos de EEE [Estratégia Evolucionariamente Estável, p. 69], mas senti que esta tendência era tão importante que lhe escrevi sugerindo que entrasse em contacto com W. D. Hamilton(3), que estava então, embora Axelrod não o soubesse, num departamento diferente na mesma universidade, a Universidade de Michigan. Ele de facto contactou imediatamente Hamilton, e o resultado da sua colaboração subsequente foi um brilhante artigo conjunto publicado no jornal Science em 1981, um artigo que ganhou o Prémio Newcomb Cleveland Prize of the American Association for the Advancement of Science(4). Além de discutir alguns exemplos biológicos encantadoramente excêntricos do dilema do prisioneiro iterado, Axelrod e Hamilton deram, o que eu considero como o devido reconhecimento à abordagem da EEE.

Contraste a aproximação de EEE com o sistema ‘round-robin’(5) que os dois torneios de Axelrod seguiram. Um round-robin é como uma liga de futebol. Cada estratégia foi confrontada contra cada uma das outras num número igual de vezes. A contagem final de uma estratégia foi a soma dos pontos ganhos contra todas as outras. Para ser bem sucedido num torneio de round-robin, uma estratégia tem de ser um bom competidor contra todas as outras que as pessoas possam ter submetido. Axelrod definiu que uma estratégia é ‘robusta’ quando é boa contra uma larga variedade de outras. Tit for Tat provou ser um estratégia robusta. Mas o conjunto de estratégias que as pessoas submeteram é arbitrário. Este era o ponto que nos preocupava acima. Aconteceu simplesmente que no torneio original de Axelrod, cerca de metade das estratégias eram amáveis. Tit for Tat ganhou neste clima, e Tit for Two Tats teria ganho neste clima se tivesse sido submetida. Mas suponha que quase todas as estratégias submetidas tivessem sido maldosas. Isto poderia muito facilmente ter ocorrido. Afinal de contas, 6 das 14 estratégias submetidas eram maldosas. Se 13 delas tivessem sido maldosas, Tit for Tat não teria ganho. O ‘ambiente’ teria sido mau para ele. Não só o dinheiro ganho, mas a ordem de êxito, depende das estratégias submetidas; depende, por outras palavras, de algo tão arbitrário quanto o capricho humano. Como poderemos nós, reduzir estas arbitrariedades? ‘pensando na EEE’.

A característica importante de uma estratégia evolutivamente estável, lembrar-se-á dos capítulos anteriores, está no facto de esta continuar a terminar bem, quando se torna numerosa numa população de estratégias. Dizer-se que Tit for Tat, é uma EEE, é o mesmo que dizer que Tit for Tat termina bem num ambiente dominado por Tit for Tats. Isto pode ser visto como um tipo especial de ‘robustez’. Como evolucionistas, somos tentados a vê-lo como o único tipo de robustez que importa. Por que importa tanto? Porque, no mundo do Darwinismo, vitórias não são pagas com dinheiro; elas são pagas como descendência. Para um Darwinista, uma estratégia bem sucedida é uma que se torna numerosa numa população de estratégias. Para uma estratégia permanecer bem sucedida, deve terminar bem especificamente quando é numerosa, isso é, num ambiente dominado por cópias de si própria.

Axelrod, aliás, lançou uma terceira ronda no seu torneio parecida à forma como a selecção natural poderia tê-lo feito através da EEE. Na realidade não lhe chamou terceiro Torneio, visto não ter solicitado novas entradas, mas, usou as mesmas 63 que as do Torneio 2. Acho conveniente tratá-lo como Torneio 3, porque penso diferir dos dois torneios ‘round-robin’ fundamentalmente mais, do que estes entre si.

Axelrod pegou nas 63 estratégias e inseriu-as outra vez no computador para criar ‘a geração 1’ de uma sucessão evolutiva. Na ‘geração 1’, portanto, o ‘ambiente’ consistiu numa representação igualitária de 63 estratégias. No fim da geração 1, as vitórias para cada estratégia serão pagas, não com “dinheiro” nem com “pontos”, mas com progénie, idêntica aos seus (assexuados) pais. Com o passar das gerações, algumas estratégias tornaram-se mais escassas e eventualmente extintas. Outras, tornaram-se mais numerosas. Como as proporções mudaram, mudou também, o “clima” no qual os movimentos futuros se desenrolaram.

Eventualmente, após aproximadamente 1.000 gerações, não havia mais nenhuma alteração nas proporções, mais nenhuma mudança no clima. A estabilidade teria sido alcançada. Antes disto, a prosperidade das várias estratégias oscilará, tal como na minha simulação de computador constituída por Vigaristas, Papalvos, e Grudgers. Algumas das estratégias começaram a extinguir-se logo desde o início, e a maioria foi extinta por volta da geração 200. Das estratégias maldosas, uma ou duas delas aumentaram a sua frequência, mas a prosperidade destas, como a do Vigarista na minha simulação, foi breve. A única estratégia maldosa a sobreviver para além da geração 200 foi a chamada de Harrington. A prosperidade de Harrington aumentou abruptamente nas primeiras 150 gerações. Depois declinou gradualmente, aproximando-se da extinção por volta da geração 1.000. Harrington prosperou bem temporariamente pela mesma razão que a do meu Vigarista original. Explorando a brandura dos Tit for Two Tats (demasiado clementes) enquanto estes se moviam em redor. Então, assim que tais branduras foram extintas, Harrington seguiu essa mesma extinção, por não ter agora nenhuma presa fácil à sua volta. O campo foi deixado livre para as estratégias ‘amáveis’ mas ‘retaliadoras’ como a Tit for Tat.

Tit for Tat, de facto, ficou no topo em cinco das seis rondas do Torneio 3, tal como nos Torneios 1 e 2. Cinco outras estratégias amáveis, mas retaliadoras, terminaram quase tão bem sucedidas (presença na população) como a Tit for Tat; de facto, uma delas ganhou a sexta ronda. Quando todas as estratégias maldosas foram extintas, não havia forma destas estratégias amáveis poderem ser distinguidas da Tit for Tat ou qualquer uma das outras, porque, sendo todas amáveis, simplesmente jogaram COOPERA umas contra as outras.

Uma consequência desta indistinguibilidade, é a de, apesar de Tit for Tat parecer uma EEE, estritamente falando não é uma EEE. Para ser uma EEE, lembre-se, uma estratégia não pode ser invadida quando é comum, por uma rara estratégia mutante. Agora, é verdade Tit for Tat não poder ser invadida por nenhuma estratégia maldosa, mas por outras estratégia amáveis a situação muda de figura. Como acabámos de ver, numa população de estratégias amáveis estas irão parecer e comportar-se de forma exactamente igual: irão jogar sempre COOPERA. Então, qualquer outra estratégia amável, como a totalmente santa “Coopera Sempre”, embora reconhecidamente não goze de uma vantagem selectiva positiva sobre a Tit for Tat, pode no entanto mover-se na população sem se fazer notar. Assim, tecnicamente Tit for Tat não é uma EEE.

Poderá pensar que, desde que o mundo permaneça igualmente amável, poderíamos considerar também Tit for Tat como uma EEE. Mas repare no que acontece de seguida. Ao contrário de Tit for Tat, a Coopera Sempre não é estável contra a invasão de estratégias maldosas como a Deserta Sempre. A Deserta Sempre prospera bem contra a Coopera Sempre, visto receber sempre a alta recompensa da ‘Tentação’. Estratégias maldosas como a Deserta Sempre, controlarão o número de estratégias demasiado amáveis como a Coopera Sempre.

Mas embora Tit for Tat não seja estritamente uma EEE, será provavelmente justo tratar algum tipo de mistura de comportamento amável e retaliativo parecido ao da ‘Tit for Tat’ como uma estratégia praticamente equivalente a uma EEE. Tal mistura talvez inclua uma pequena quantidade de precipitação. Robert Boyd e Jeffrey Lorberbaum, numa das continuações(6) mais interessantes do trabalho de Axelrod, procuraram uma mistura de Tit for Two Tats e uma estratégia chamada “Tit for Tat Desconfiado”. Tit for Tat Desconfiado é tecnicamente maldoso, mas não muito. Comporta-se tal como um Tit for Tat após o primeiro movimento, mas – e isto é que faz dele tecnicamente maldoso – deserta no primeiro movimento do jogo. Num clima inteiramente dominado por Tit for Tat, Tit for Tat Desconfiado não prospera, pois a sua deserção inicial desencadeia um ciclo de retaliação mútua. Mas quando encontra um Tit for Two Tats, por outro lado, a clemência de Tit for Two Tats quebra qualquer ciclo de recriminação mútua. Ambos os jogadores terminam o jogo com pelo menos a contagem do ‘fiel da balança’ da cooperação mútua, e com o Tit for Tat Desconfiado a colectar um bónus pela sua deserção inicial. Boyd e Lorberbaum mostraram que uma população de Tit for Tat pode ser invadida, evolutivamente falando, por um mistura de Tit for Two Tats e Tit for Tat Desconfiado, os dois a prosperar na companhia um do outro. Esta combinação quase certamente não é a única que a pode invadir desta maneira. Há provavelmente muitas misturas de estratégias ligeiramente maldosas com estratégias amáveis e muito clementes que juntas, são capazes de invadir. Alguns, poderão talvez ver isto como um espelho para os aspectos familiares da vida humana.

Axelrod reconheceu Tit for Tat com uma não EEE, e consequentemente cunhou o termo ‘Estratégia Colectivamente Estável’ para o descrever. Como no caso duma verdadeira EEE, é possível para mais do que uma estratégia ser simultaneamente uma Estratégia Colectivamente Estável. E uma vez mais, é uma questão de sorte saber qual virá a dominar uma determinada população. Deserta Sempre é também estável, assim como Tit for Tat. Numa população que venha a ser dominada por Deserta Sempre, nenhuma outra estratégia fará melhor. Podemos tratar o sistema como biestável, com o Deserta Sempre como um dos pontos estáveis, e Tit for Tat (ou alguma mistura de estratégias fundamentalmente amáveis e retaliadoras) como outro. Qualquer que seja o ponto estável que venha a dominar a população, tenderá a permanecer dominante.

Mas o que significa “dominar” em termos quantitativos? Quantos Tit for Tat terão de haver por forma a que Tit for Tat prospere em detrimento do Deserta Sempre? Isso depende dos pagamentos que o banqueiro definir para este jogo particular. Duma forma geral, tudo o que podemos dizer é que há uma frequência crítica, um limiar. Dum lado desse limiar, a frequência crítica de Tit for Tat é excedida, e a selecção favorecerá cada vez mais os Tit for Tat. No outro lado do limiar, a frequência crítica de Deserta Sempre é excedida, e a selecção favorecerá cada vez mais os Deserta Sempre. Encontramos o equivalente deste limiar, lembrar-se-á, na história do Grudgers e dos Vigaristas no Capítulo 10(7).

Importa obviamente, de que lado deste limiar uma população se inicia. E necessitamos de saber como poderá, uma população cruzar este limiar de um lado para o outro. Suponhamos que começamos com uma população que se encontra à partida do lado do Deserta Sempre. Os poucos indivíduos Tit for Tat não se irão encontrar o número de vezes suficiente para haver um benefício mútuo. Assim, a selecção natural empurrará a população ainda mais na direcção extrema do Deserta Sempre. Se ao menos a população pudesse administrar, por movimentos casuais, por forma a ultrapassar o limiar, a encosta para o lado do Tit for Tat, e dessa forma todos ganhariam muito mais às custas do banqueiro (ou natureza). Mas, claramente, populações não têm propósito, nem intenção ou vontade de grupo. Estas não se podem esforçar em pular o limiar. Estas cruzá-lo-ão apenas se as forças sem orientação da natureza, as dirigir nesse sentido.

Como poderá acontecer? Uma forma de expressar a resposta é que talvez aconteça por ‘acaso’. Mas ‘acaso’ é somente uma palavra que expressa ignorância. Significa ‘determinado por algum meio até agora desconhecido, ou por especificar’. Podemos fazer um pouco melhor que o simples ‘acaso’. Podemos tentar pensar em termos práticos pelos quais uma minoria de indivíduos Tit for Tat possa atingir uma massa crítica. Isto remete-nos para uma busca de possíveis maneiras, em que Tit for Tat se possam aglomerar num número suficiente de indivíduos por forma a beneficiarem às custas do banqueiro.

Esta linha de pensamento parece prometedora, mas é no entanto bastante vaga. Como poderão exactamente, indivíduos semelhantes aglomerarem-se num determinado local? Na natureza, o meio óbvio é o da ligação genética – parentesco. Os animais na maioria das espécies encontram-se normalmente a viver junto das suas irmãs, irmãos e primos, em vez de juntos a membros aleatórios da população. Isto não será necessariamente por escolha. É consequência imediata da “viscosidade” na população. A viscosidade significa qualquer tendência para os indivíduos continuarem a viver perto do local em que nasceram. Por exemplo, pela maioria da história, e na maioria das partes do mundo (embora não, como acontece, no nosso mundo moderno), indivíduos humanos raramente se desviaram mais do que algumas milhas de seu local de nascimento. Como resultado, agrupamentos locais de parentes tendem a acumular-se. Lembro-me de ter visitado uma ilha remota da costa ocidental da Irlanda, e de ter ficado espantado pelo facto de quase todos na ilha terem as orelhas enormes. Isto não podia ter estado relacionado com o clima (ventos fortes no mar alto). Assim era, porque a maioria dos habitantes da ilha eram parentes próximos.

Parentes genéticos tenderão a ser semelhantes não só nas suas características faciais, como igualmente em todas as outras. Por exemplo, eles tenderão a assemelhar-se no que diz respeito à tendência genética para jogar – ou não jogar – Tit for Tat. Portanto, mesmo que Tit for Tat seja raro na população como um todo, poderá mesmo assim ser localmente comum. Localmente, indivíduos Tit for Tat podem encontrar-se com a frequência suficiente para prosperarem através da cooperação mútua, mesmo que, o cálculo que leva apenas em conta a frequência global na população total, possa sugerir que estes estão sob o ‘limiar’ de frequência crítico.

Se isto assim é, indivíduos Tit for Tat, cooperando uns com os outros em pequenos enclaves de forma cómoda, poderão prosperar tanto, ao ponto de passarem de pequenos agrupamentos locais para agrupamentos locais bem maiores. Estes aglomerados locais podem crescer tanto, que se estenderão a outras áreas, áreas que até então tenham sido dominadas, numericamente, por indivíduos jogando Deserta Sempre. Pensando nestes enclaves locais, a minha ilha irlandesa é uma enganadora analogia, porque fisicamente se encontra isolada. Pense, em vez disso, numa grande população em que não há muito movimento, de modo que os indivíduos tendem a assemelhar-se mais com os seus vizinhos imediatos do que com os mais distantes, mesmo que hajam misturas contínuas sobre toda a área.

(a continuar)


(1) – Traduzido de http://www-static.cc.gatech.edu/%7Eidris/Essays/Dawkins_The_Selfish_Gene.htm
(2) – Ver Pombos e Falcões - http://seremosricos.blogspot.com/2007/01/pombos-e-falces.html
(3) – William Donald Hamilton, http://en.wikipedia.org/wiki/W._D._Hamilton
(4) –
American Association for the Advancement of Science, http://www.aaas.org/
(5) – Round-robin tournament, http://en.wikipedia.org/wiki/Round-robin_tournament
(6)
– No strategy is evolutionarily stable in the repeated prisoner's dilemma, http://www.ncbi.nlm.nih.gov/entrez/query.fcgi?cmd=Retrieve&db=PubMed&list_uids=8022193&dopt=Citation
(7) – You scratch my back, I’ll ride yours – The Selfish Gene, Richard Dawkins

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2007

Bons Rapazes Terminam em Primeiro – Parte 2

Continuação do texto Bons Rapazes Terminam em Primeiro – Parte 1(1).

O Dilema do Prisioneiro Iterado

O jogo iterado é basicamente o mesmo que o não iterado, mas repetido um número indefinido de vezes com os mesmos jogadores. Mais uma vez jogamos os dois, com um banqueiro sentado no meio. Uma vez mais, temos cada um, uma mão de apenas duas cartas, marcadas com COOPERA e DESERTA. Mais uma vez nós jogamos uma ou outra carta, e o banqueiro paga ou recebe em conformidade com as regras previamente definidas. Mas agora, em vez de ser este o fim do jogo, nós recolhemos as nossas cartas e preparamo-nos para outra ronda. As rondas sucessivas do jogo dão-nos a oportunidade de acumular confiança ou desconfiança, apaziguar ou reciprocar, perdoar ou vingar. Num jogo indefinidamente longo, o ponto importante está em podermos ambos ganhar às custas do banqueiro, em vez de às custas um do outro.

Após as dez rondas do jogo, eu poderia teoricamente ter ganhado até $5.000, mas só se você tivesse sido extraordinariamente tolo (ou santo) e jogado COOPERA constantemente, apesar do facto de eu desertar consistentemente. De forma mais realista, é fácil para cada um de nós colectar $3.000 do banqueiro, se ambos jogar-mos COOPERA em todas as dez rondas do jogo. Para isso nós não temos de ser particularmente santos, porque ambos podemos ver, dos movimentos passados do outro, que nele se pode confiar. Podemos, com efeito, policiar esse comportamento. Outra coisa muito provável de acontecer, é nenhum de nós confiar no outro: ambos jogaremos DESERTA em todas as dez rondas do jogo, e o banqueiro ganhará $100 como penalização para cada um de nós. O mais provável no entanto, será confiarmos parcialmente um no outro, e cada um jogará COOPERA ou DESERTA de forma mista, acabando com uma soma intermediária de dinheiro.

Os pássaros do Capítulo 10(2) que retiravam carrapatos de cada um, estavam a jogar o jogo do Dilema do Prisioneiro Iterado. Como assim? É importante, lembra-se de que, para um pássaro tirar os carrapatos do topo da própria cabeça, necessita de um companheiro para o fazer. Pareceria justo este retornar o favor mais tarde. Mas este serviço custa tempo e energia ao pássaro, embora não muito. Se um pássaro poder escapar às consequências traindo o outro - com os seus próprios carrapatos retirados recusando-se a reciprocar - ganha todos os benefícios sem pagar os custos. Classifique os resultados, e verá que de facto estamos perante um verdadeiro jogo do Dilema do Prisioneiro. Ambos a cooperar (puxando os carrapatos um do outro) é bastante bom, mas há ainda a tentação de fazer melhor, recusando-se a pagar os custos de reciprocar. Ambos desertam (recusando-se a retirar carrapatos) é bastante mau, mas não tão mau como o investir de esforço no retirar dos do outro e acabar mesmo assim infestado. A matriz de desfecho é a da Figura 1.


Figura 1. O jogo da remoção do carrapato: As minhas recompensas segundo vários cenários.

Mas isto é apenas um exemplo. Quanto mais nele se pensa, mais se percebe que a vida é nublada com jogos do Dilema do Prisioneiro Iterado, não só a vida humana mas a animal e a das plantas também. Vida vegetal? Sim, por que não? Lembre-se de que nós não estamos a falar de estratégias conscientes (embora por vezes o possam ser), mas sim de estratégias no sentido de ‘Maynard Smith’(3), estratégias do tipo das pré-programadas por genes. Mais tarde falaremos de plantas, de vários animais e mesmo de bactérias, todos jogando o jogo do Dilema do Prisioneiro Iterado. Entretanto, exploraremos de forma mais plena o que há de tão importante sobre a iteração.

Ao contrário do simples jogo, em que a jogada previsível é a do DESERTA como a única jogada racional, a versão iterada oferece um grande conjunto de possíveis estratégias. No jogo simples só há duas estratégias possíveis, COOPERA ou DESERTA. A iteração, permite no entanto, muitas estratégias concebíveis, e não é de modo algum óbvio qual delas a melhor. O exemplo seguinte, por exemplo, é somente um entre milhares ‘coopera a maior parte do tempo, mas nuns casuais 10% de rondas deserta’. As estratégias poderão talvez ser condicionais relativamente à história passada do jogo. O meu ‘Grudger’(4) é um exemplo disso; tem uma memória boa para rostos, e apesar de fundamentalmente cooperativo, deserta se o outro jogador desertou alguma vez antes. Outras estratégias poderão ser mais clementes e de memória mais curta.

Claramente as estratégias disponíveis no jogo iterado estão limitadas apenas pelo nosso engenho. Poderemos concluir qual a melhor? Esta foi a tarefa que Axelrod(5) atribui a si próprio. Teve a ideia interessante de iniciar uma competição, e anunciou-a para os peritos em teoria de jogos submeterem as suas estratégias. As estratégias, são-no no sentido, de regras de acção pré-programadas, sendo então apropriado para os concorrentes entregar essas regras em linguagem de máquina. Catorze estratégias foram submetidas. Para uma mais clara comparação Axelrod adicionou uma quinta estratégia, chamada Casual, que joga COOPERA ou DESERTA casualmente, e servido como um tipo de base ‘não estratégia’: se uma estratégia não conseguir fazer melhor que a Casual, então deve ser bastante má.

Tit for Tat – Olho por Olho e Dente por Dente

Axelrod traduziu todas as 15 estratégias para uma linguagem de programação comum, e testou-as umas contra as outras num grande computador. Cada estratégia esteve frente a frente com cada uma das outras (incluindo contra si própria) no jogo o Dilema do Prisioneiro Iterado. Como haviam 15 estratégias, tinha-mos 15 x 15 ou 225 jogos distintos a decorrer no computador. Quando cada par tivesse concluído 200 movimentos de jogo, somavam-se as vitórias e assim determinado o vencedor.

Não estamos preocupados com qual a estratégia ganhadora contra qualquer oponente particular. O que importa, é saber qual a estratégia que acumulou mais ‘dinheiro’, somado ao longo de todos os seus 15 pares. ‘Dinheiro’ significa simplesmente ‘pontos’, ganhos de acordo com o seguinte esquema: Cooperação mútua, 3 pontos; Tentação para desertar, 5 pontos; Castigo pela deserção mútua, 1 ponto (equivalente a uma multa leve no nosso jogo anterior); Desfecho do papalvo, 0 pontos (equivalente a uma multa pesada no nosso jogo anterior).


Figura 2. O torneio de computador de
Axelrod: As minhas recompensas segundo vários cenários.

A pontuação máxima possível que qualquer estratégia pode alcançar é de 15.000 (200 rondas com 5 pontos, para cada um dos 15 oponentes). A pontuação mínima possível é de 0. É desnecessário dize-lo, mas nenhum destes dois extremos foi realizado. O máximo que uma estratégia pode realisticamente esperar ganhar dos seus 15 oponentes, não pode em média ser muito mais de que 600 pontos. Isso é o que dois jogadores recebem se ambos cooperarem constantemente, recebendo 3 pontos para cada uma das 200 rondas de jogo. Se um deles sucumbisse à tentação de desertar, muito provavelmente acabaria com menos de 600 pontos, por causa da retaliação por parte do outro jogador (a maioria das estratégias submetidas tiveram algum tipo de comportamento retaliativo que lhes foi embutido). Podemos usar os 600 pontos como uma espécie de fiel da balança para o jogo, e expressar todas as recompensas como uma porcentagem deste. Nesta escala é teoricamente possível ganhar até 166% (1.000 pontos), mas na prática nenhuma estratégia excedeu a contagem média de 600 pontos.

Lembre-se de que os ‘jogadores’ no torneio não eram seres humanos mas sim programas de computador, de estratégias pré-programadas. Os seus autores fizeram o mesmo papel que o dos genes, programando corpos (pense no programa informático de xadrez e no computador de Andrómeda do Capítulo 4(6)). Pode pensar nas estratégias como ‘procuradores’ miniaturizados dos seus autores. Na verdade, um autor poderia ter submetido mais de uma estratégia (embora tal pudesse resultar em vigarice – e por isso Axelrod presumivelmente não o tenha permitido – com um autor a ‘empacotar’ a competição com estratégias, por forma a receber os benefícios da cooperação sacrificial das outras).

Foram submetidas algumas estratégias engenhosas, embora fossem, naturalmente, muito menos engenhosas que os seus autores. A estratégia ganhadora, notavelmente, foi a mais simples e superficialmente a menos engenhosa de todas. Foi chamada de “Tit for Tat” (Olho por Olho e Dente por Dente), e foi submetida pelo professor Anatol Rapoport(7), um bem conhecido psicólogo e teórico de jogos de Toronto. Tit for Tat começa por cooperar no primeiro lance, e depois copia simplesmente o movimento prévio do outro jogador.

De que forma procede um jogo envolvendo a estratégia Tit for Tat? Como sempre, o que acontece depende do outro jogador. Suponha, primeiro, que o outro jogador é também um Tit for Tat (lembre-se que cada estratégia joga contra uma cópia de si, tal como contra as outras 14). Ambas as Tit for Tat começam por cooperar. No próximo lance, cada jogador copia o movimento prévio do outro, que foi COOPERA. Ambos continuam a COOPERAR até ao fim do jogo, e ambos acabam com a plena recompensa de 100% do fiel da balança (600 pontos).

Agora suponha que Tit for Tat joga contra uma estratégia chamada de Explorador Ingénuo. O Explorador Ingénuo na realidade não foi incorporado na competição de Axelrod, mas é apesar disso instrutivo. É na essência idêntico ao Tit for Tat, excepto, de vez em quando num movimento casual, digamos em cada dez lances, desertar gratuitamente e reivindicar o alto pagamento da Tentação. Até que o Explorador Ingénuo deserte, estes jogadores passam bem por dois Tit for Tat. Uma sequência longa mutuamente lucrativa de cooperação parece seguir o seu rumo, com uma contagem confortável de 100% do Fiel da Balança para ambos os jogadores. Mas repentinamente, sem aviso, diga-mos no oitavo movimento, o Explorador Ingénuo deserta. Tit for Tat, naturalmente, joga COOPERA neste movimento, e assim recebe o desfecho do Papalvo de 0 pontos. O Explorador Ingénuo parece ter feito bem, pois obteve 5 pontos nesse movimento. Mas no próximo movimento Tit for Tat irá ‘retaliar’. Joga DESERTA, simplesmente seguindo a sua regra de imitação do movimento prévio do oponente. O Explorador Ingénuo, entretanto, seguindo cegamente a sua própria regra de cópia, copia o anterior movimento COOPERA do seu oponente. Assim, sofre agora o desfecho do Papalvo de 0 pontos, enquanto Tit for Tat recebe os 5 pontos. No próximo movimento, o Explorador Ingénuo – embora se possa pensar, injustamente – ‘retalia’ contra Tit for Tat pela deserção anterior. E assim, a alternância continua. Durante este alternar ambos os jogadores receberão em média 2,5 pontos por movimento (a média de 5 e 0). Sendo este resultado, inferior aos 3 pontos que poderiam acumular constantemente pelo movimento de cooperação mútua (e, a propósito, esta é a razão para o ‘condição adicional’ deixada por explicar na página 204(8)). Então, quando o Explorador Ingénuo joga contra Tit for Tat, ambos recolhem menos pontos do que quando Tit for Tat joga contra outro Tit for Tat. E quando um Explorador Ingénuo joga contra outro Explorador Ingénuo, ambos conseguem, uma pontuação ainda pior, pois a deserção inicial tende a realizar-se mais cedo.

Considere agora outra estratégia, chamada de Explorador Arrependido. O Explorador Arrependido é como o Explorador Ingénuo, excepto na sua atitude de tomar passos activos por forma a evitar ciclos de recriminações alternadas. Para o fazer este necessita de uma ‘memória’ levemente mais longa que a de qualquer Tit for Tat ou Explorador Ingénuo. O Explorador Arrependido lembra-se de quando desertou espontaneamente, e se o resultado foi a retaliação imediata. Se assim foi, ele de forma arrependida permite que ao seu oponente ‘um golpe livre’ sem retaliar. Desta forma, elimina-se de raiz a possibilidade de ciclos de recriminação mútua. Se agora imaginar um jogo entre um Explorador Arrependido e um Tit for Tat, concluirá que rondas de retaliação mútua serão cortadas. A maioria do jogo é passado em cooperação mútua, com ambos os jogadores gozando uma recompensa generosa consequente. O Explorador Arrependido sai-se melhor contra um Tit for Tat do que contra um Explorador Ingénuo, embora não tão bem como um Tit for Tat contra si próprio.

Algumas das estratégias submetidas no torneio do Axelrod eram muito mais sofisticadas que o Explorador Arrependido ou o Explorador Ingénuo, mas também essas acabaram, em média, com menos pontos, do que o simples Tit for Tat. De facto, a menos bem sucedida de todas as estratégias (exceptuando-se a Casual) foi a mais elaborada. Foi submetida como ‘Nome retido’ - uma forma de alimentar agradáveis especulações: Algum antropónimo de uma eminência do Pentágono? O director da CIA? Henry Kissinger? O próprio Axelrod? Suponho que nunca saberemos.

Não é de todo interessante, examinar os detalhes de todas as estratégias particulares que foram submetidas. Isto não é um livro sobre o talento de programadores. Será mais interessante classificar as estratégias de acordo com certas categorias, e examina-las quanto ao seu êxito mais amplo. A categoria mais importante que Axelrod reconheceu foi ‘amável’. Uma estratégia amável, é definida como uma em que nunca se é o primeiro a desertar. Tit for Tat é um exemplo. É capaz de desertar, mas só o faz como retaliação. Tanto o Explorador Ingénuo como o Explorador Arrependido são estratégias maldosas, porque às vezes, embora raramente, desertam sem motivo (provocação). Das 15 estratégias submetidas a torneio, 8 eram amáveis. Significativamente, as 8 que ficaram no topo eram as mesmas 8 estratégias amáveis, as 7 maldosas ficaram-se bem para trás. Tit for Tat obteve uma média de 504,5 pontos: 84% do nosso Fiel da Balança de 600 pontos, uma boa soma. As outras estratégias amáveis somaram pouco menos, com contagens a variar entre 78,6% e 83,4%. Há um abismo grande entre esta contagem e os 66,8 % obtidos pelo ‘Graaskamp’, a mais bem sucedida de todas as estratégias maldosas. Parece bastante convincente que rapazes amáveis terminam bem neste jogo.

Outro termo técnico de Axelrod é ‘tolerância’. Uma estratégia diz-se tolerante quando, embora possa retaliar, possui uma memória curta. É rápida em deixar passar antigos prejuízos. Tit for Tat é uma estratégia tolerante. Esta retalia de forma seca no instante imediato, mas depois disso, faz desse passado, passado. Já o Grudger do Capítulo 10, é totalmente implacável. A sua memória mantém-se o jogo inteiro. Nunca se esquece, e mantém o rancor contra um jogador que tenha desertado, mesmo que só uma única vez. Uma estratégia formalmente idêntica à do Grudger foi submetida a torneio sob o nome de Friedman, e não se saiu particularmente bem. De todas as estratégias amáveis (note que é tecnicamente amáveis, embora seja totalmente intolerante), Grudger/Friedman ficou em penúltimo lugar. A razão pela qual as estratégias intolerantes não se saem muito bem, está no facto de não conseguirem quebrar ciclos de mútua retaliação, mesmo quando o seu oponente esteja “arrependido”.

É possível ser-se ainda mais tolerante que Tit for Tat. A estratégia Tit for Two Tats(9) permite duas deserções seguidas por parte dos seus oponentes antes de retaliar. Isto talvez possa parecer excessivamente virtuoso e magnânimo. Não obstante, Axelrod conclui que, se alguém a tivesse submetido, teria ganhado o torneio. E isto, por ser tão boa a evitar ciclos de mútua retaliação.

(a continuar)


(1) – Traduzido de http://www-static.cc.gatech.edu/~idris/Essays/Dawkins_The_Selfish_Gene.htm
(2) – http://seremosricos.blogspot.com/2007/01/bons-rapazes-terminam-em-primeiro-parte.html
(3) – John Maynard Smith, http://en.wikipedia.org/wiki/John_Maynard_Smith
(4) – Tratavam-se de pássaros que se ajudavam duma forma aparentemente altruísta, mas recusavam-se a ajudar (de forma rancorosa), indivíduos que previamente se tinham recusado ajudá-los.
(5) – Rober Axelrod, http://www-personal.umich.edu/~axe/
(6) – The Gene Machine, Richard Dawkins
(7) – Anatol Rapoport, http://en.wikipedia.org/wiki/Anatol_Rapoport
(8) – Condições do jogo o Dilema do Prisioneiro simples, http://seremosricos.blogspot.com/2007/01/bons-rapazes-terminam-em-primeiro-parte.html
(9) – Poderá ser traduzido como Um Olho por Dois ou Um Dente por Dois

sábado, 10 de fevereiro de 2007

Richard Dawkins – Uma Visão Exponencial – Parte 2/2

Continuação do texto Richard Dawkins – Uma Visão Exponencial – Parte 1.

O Rio que Saía do Éden. Capítulo 5 - A Bomba de Replicação (Dawkins - 1995)

A bomba de replicação que Dawkins refere no cabeçalho é a vida. Numa das minhas preferidas passagens de Dawkins, ele explica porque razão a humanidade é tão importante:

“Nós os seres humanos somos uma manifestação extremamente importante da bomba de replicação, porque é por nós - pelos nossos cérebros, pela nossa cultura simbólica e a pela nossa tecnologia - que a explosão pode prosseguir à próxima etapa e ecoar pelo espaço profundo.”

Para Dawkins, esta bomba de replicação, estimulada pela energia de nosso Sol, ajudará o nosso Sol “a tornar-se informação” de forma igualmente semelhante à das estrelas, como é dito, “a tornarem-se supernova”.

Dawkins continua, chamando a atenção que a nossa é a única bomba de replicação no universo, de que nós estamos cientes. Dawkins descreve a origem da bomba de replicação, que começou com o primeiro replicador há muitos biliões de anos atrás: “... O crescimento exponencial: quanto mais se tem, mais se obtém.”

Encontrei um argumento semelhante ao do “meme” de Dawkins, supernova, em “A Estrutura da Realidade” (no capítulo A Importância da Vida) por David Deutsch (1997), um contemporâneo de Dawkins na Universidade de Oxford. Deutsch, um físico, declara que “os Genes incorporam conhecimento nos seus nichos” e conclui que é a “sobrevivência do conhecimento” o atributo chave dos replicadores bem sucedidos.

Dawkins, que cunhou o termo “meme” no seu livro O Gene Egoísta, usa o exemplo de um cartão postal “correspondência em corrente” como uma forma de um replicador “meme”. As instruções para o cartão postal são:

“Faz seis cópias deste cartão e remete-os a seis amigos dentro de uma semana. Se o não fizeres, um feitiço cairá sobre ti e morrerás numa horrível agonia dentro de um mês.”

Dawkins supõe que em cada semana só um terço de todos os destinatários seguirá as instruções. Doravante, temos um índice semanal de replicação de 6, dos quais 4 morrem (supondo que 4 dos 6 destinatários destrói os seus cartões postais), havendo 2 sobreviventes para cada jogo de 6 cartões enviados. Cada destinatário de um cartão sobrevivente repete assim as instruções, criando dessa forma mais 2 cartões sobreviventes, e assim por diante. A “população” de cartões postais em circulação dobraria portanto a cada semana. Aliás, o mesmo seria verdadeiro se cada pessoa que recebesse tal cartão postal, enviasse dois iguais e todos eles sobrevivessem.

Dawkins salienta que, depois de 52 dobragens de população (um ano) haveria à volta de 4.000 triliões de cartões em circulação.

“Cartões postais suficientes para sufocar cada homem, mulher, e criança no mundo.”


Tabela 1. Utilizando a Nova Escala Malthusiana para demonstrar a replicação do “meme” via cartão postal
Nota: 1A-pop = 1024 pops, 1B-pop = 1024 A-pop, 1C-pop = 1024 B-pop, etc...


Depois das 52 semanas seriam 4 E-pops, o que representaria 4.503.599.627.370.496 (aproximadamente 4.500 triliões) cartões postais em circulação.


Imagem 1. Ilustração da replicação de cartões postais


Se clicar na imagem 1, verá o número de cartões postais em circulação (a verde) para as primeiras três semanas (2, 4 e 8). Assim, o número de cartões postais em circulação durante um semana corresponde claramente ao número de cartões dessa geração. Como Dawkins sugere, este número dobra a cada semana (como demonstrado na Tabela 1). Note que, não se espera, que os destinatários dos cartões postais de semanas anteriores, voltem a enviar cartões para além da sua primeira semana.

No entanto, os que enviaram os seus próprios 6 cartões postais, não estão sob nenhuma obrigação de destruir os cartões por eles recebidos. Assim, a população actual de cartões postais acumula de semana para semana. Começa-se com 2 cartões sobreviventes na primeira semana, sendo então adicionados 4 na segunda, totalizando 6, e posteriormente 8 mais serão adicionados, três semanas depois teremos uma população total de cartões igual a 14. Na semana quatro, seriam enviados 48 cartões postais (8 x 6), dos quais 32 seriam destruídos e 16 sobreviveriam. Doravante, esses 16 devem ser adicionados aos da semana três, de população igual a 14, resultando numa população total de 30 na semana quatro (14 + 16 = 30).

Uma Lei Universal da Biologia

No capítulo “Memes: os novos replicadores” Dawkins (1976) compara a biologia com a física:

“As leis de física são supostas ser verdade em todo o universo acessível. Haverá qualquer princípio na biologia que possa ter uma validade universal semelhante?”

E pergunta:

“...haverá aí qualquer princípio geral que seja válido para toda a vida?”

Dawkins declara que não sabe, mas está preparado para apostar o seu dinheiro no seguinte princípio fundamental:

“Esta é a lei pela qual toda a vida se desenvolve, pela sobrevivência diferencial das entidades replicadoras.”

Eu acredito que Dawkins está correcto, tal como Malthus quando escreveu (numa Visão Sumária, 1830) sobre as populações em termos mais matemáticos:

“A causa imediata do aumento da população é o excesso dos nascimentos acima das mortes; e o índice de aumento, ou o período de dobragem, depende da proporção do excesso de nascimentos relativamente às mortes que se estabelecem na população.”

Para completar o quadro, deve-se também referir a lei complementar (permutadas as frases de Malthus):

“A causa imediata da diminuição da população é o excesso das mortes acima dos nascimentos; e o índice de diminuição, ou o período de divisão para metade, depende da proporção do excesso das mortes relativamente aos nascimentos que se estabelecem na população.”

E mais uma vez de Uma Visão Sumária (1830), Malthus clarifica a sua ideia:

“Pode ser afirmado com segurança, portanto, que a população, quando aumenta de forma desenfreada, fá-lo numa progressão geométrica, de tal forma, que se dobra a cada vinte e cinco anos. Esta declaração, refere-se naturalmente ao resultado geral, e não a um passo intermédio da progressão. Na pratica, esta será umas vezes mais lenta, e outras mais rápida.”

Dawkins acredita que a molécula de ADN é a entidade replicadora prevalecente no planeta terra. No entanto, é possível mostrar matematicamente, que todas as populações de todos os replicadores (sim, ADN mas também bactérias, vírus, células, animais, plantas e fungos) aderem ao Princípio universal de Malthus sobre a População.

(...)

Talvez pensando no seu próprio conceito de “os genes egoístas” como “corrente de letras de ADN”, Dawkins faz a seguinte observação sobre a reprodução diferencial:

“Na competição por recursos, variantes do replicador podem surgir como mais eficientes na sua duplicação. Estes replicadores mais eficientes, tenderão a substituir seus rivais menos eficientes. É importante perceber que nenhuma destas entidades duplicadas o faz consciente ou interessadamente. Mas simplesmente acaba por acontecer, e o mundo torna-se cheio de replicadores mais eficientes.”

Dawkins conclui este capítulo com uma intrigante tentativa de definir os limites típicos pelos quais os replicadores passam pelo tempo geológico, desde o primeiro replicador à colonização de espaço. Uma vez a população de replicadores conclua a colonização do espaço, eu modelaria o progresso de tal civilização tecnológica nos termos dos níveis de Kardashev, como discutido em Drexler - Uma Visão Exponencial(1).

A Escalada do Monte Improvável. Capítulo 9 - O Robot Repetidor (Dawkins - 1996)

Replicadores e Populações

“É a natureza de um replicador gerar uma população de cópias de si próprio, e isso significa uma população de entidades que também se duplicam. Doravante a população tenderá a crescer exponencialmente até que seja limitada pela competição por recursos ou matérias-primas. Desenvolverei a ideia do crescimento exponencial de forma breve. Em resumo, a população dobra em intervalos regulares, em vez de adicionar um número constante a intervalos regulares. Isto significa que muito em breve haverá uma população muito grande de replicadores e consequentemente competição entre eles.”

A crença desse crescimento exponencial requerer uma taxa de crescimento constante, ou “a população dobrar a intervalos regulares”, é largamente sustentada. É num entanto uma falácia; um mito. Malthus foi um dos primeiros a tentar explicar o crescimento exponencial das populações, e pode ter começado esse mito. Malthus fez uso regular de taxas de crescimento constantes (através de dobragens regulares) nos seus exemplos, mas compreendeu também, claramente, que as taxas de crescimento variam (e ainda assim a população continuará a crescer exponencialmente). Estou seguro de que Dawkins está igualmente ciente disso, mas tive demasiados comentários sobre esta questão para a deixar passar em branco.

(...)

Replicação Celular

Ao discutir a antiga história evolutiva da célula eucariótica(2) de primitivas células bacterianas, Dawkins (1996) fornece um conjunto de exemplos de animais familiares formados por células eucariotas:

“Um rato é um edifício grande constituído por talvez um bilião de células. Um elefante é uma colónia de cerca de 1.000 triliões (1015) de células, e cada uma dessas células é ela própria uma colónia de bactérias.”

Ao longo de linhas semelhantes às doutros autores, Dawkins explica o poder do crescimento exponencial que se aplica dentro de cada indivíduo, pelo dobrar das suas células:

“... A forma especial de crescimento segundo a qual as coisas vivas seguem é o crescimento exponencial. Outro meio de o dizer é o de que coisas vivas crescem através de dobragens locais.

Começamos com uma única célula que é muito pequena. ...Talvez a propriedade mais notável que a célula tem é a capacidade de se dividir em duas células mais ou menos iguais a si. Sendo como a célula mãe, cada uma é capaz de se dividir em duas, formando quatro células. Cada uma das quatro, por sua vez, podem-se dobrar, fazendo oito, e assim por diante. Isto é crescimento exponencial, ou dobragem local.”

Aqui Dawkins (1996) usa a dobragem de papel como forma de explicar o poder extraordinário do crescimento exponencial:

“As pessoas que não estão acostumadas ao poder do crescimento exponencial surpreendem-se. Como prometido, perderei algum tempo nele, pois é importante. Há formas claras de o ilustrar. Se se dobrar um pedaço de papel uma vez, terá duas espessuras. Dobre-o novamente e terá quatro vezes a espessura inicial. Outra dobra e você terá um fardo de oito camadas de espessura. Mas suponha que a rigidez mecânica não seria um problema e que poderia ir dobrando sem parar, digamos cinquenta vezes. Quão espesso o fardo de papel seria então? A resposta é que seria tão espesso que ultrapassaria os limites da atmosfera terrestre e iria além da órbita de Marte.”

Voltando atrás, para a dobragem celular, Dawkins fornece uma explicação de quantas gerações de células levaria uma baleia azul para crescer:

“Da mesma forma, pela dobragem celular ao longo do desenvolvimento corporal, o número de células cresce muito rapidamente a níveis astronomicamente grandes. Uma baleia azul é feita de uns cem mil triliões (1017) de células. Mas, tal é o poder do crescimento exponencial, que só levaria cinquenta e sete gerações de células, sob condições ideais, para produzir tal monstruosidade. Por geração celular, eu quero dizer um dobramento. Lembre-se de que o número de células sobem da seguinte forma 1, 2, 4, 8, 16, 32, etc...”

Ainda bem que, ao contrário da maioria dos autores, que tenta usar uma visão geracional para explicar o crescimento exponencial, Dawkins responsavelmente evidencia um problema - não é realista usar as gerações de células para se explicar o crescimento exponencial, porque as células não são imortais:

“Este meio de calcular o número de gerações de células é na realidade não realista, porque só fornece uma figura reduzida. Supõe que, depois de cada geração de células, todas se fazem duplicar. ...Assim uma baleia azul consiste num número de linhagens de célula de comprimento diferente, construindo partes distintas da baleia. Algumas destas linhagens vão-se dividindo por mais do que as cinquenta e sete gerações de células. Outras param de se dividir antes das cinquenta e sete gerações de células.”

Assim, Dawkins (1996) explica que o seu guia naïve, a calcular quantas gerações de célula são exigidas para formar qualquer criatura, baseia-se no peso dessa:

“Um cálculo ingénuo sugere que tomaria um mínimo de quarenta e sete gerações de dobragem de células para formar um ser humano adulto e só aproximadamente dez vezes mais para fazer crescer uma baleia azul. Estas figuras estão certamente subestimadas, pelas razões que referi anteriormente.”

Dawkins está correcto ao chamar tais estimativas de ingénuas, se forem consideradas como gerações de células. No entanto, como Malthus nos ensinou há 200 anos atrás, o conceito da dobragem populacional por si só não é ingénuo. Aliás, o Modelo Malthusiano de Crescimento é o meio perfeito de modelar a dobragem da população de células (veja Células Replicadoras - Uma Visão Exponencial(3)). Além do mais, as estimativas ingénuas de Dawkins são-no unicamente porque este raciocinou tal como Darwin o fez – em termos de gerações. Se Dawkins pensasse como Malthus, veria que as suas estimativas ingénuas, estão clara e realmente próximas das estimativas genuínas da dobragem populacional:


Tabela 2. Dobragem ingénua de Gerações de células equacionadas pela dobragem Malthusiana da população
Nota: 1A-pop = 1024 pops, 1B-pop = 1024 A-pop, 1C-pop = 1024 B-pop, etc...

A Tabela 3 abaixo explica as entradas assinaladas a vermelho na Tabela 2 acima:


Tabela 3. Criaturas do exemplo de Dawkins recorrendo à replicação celular

A Unidade de Selecção

Em “O Fenótipo Estendido” (1982) Dawkins expressa claramente o seu desprezo pela ideia das populações como a unidade de selecção para a Selecção Natural:

“As populações podem durar um longo período, mas estas misturam-se constantemente com outras e perdem então a sua identidade. Estão também sujeitas à interna mudança evolutiva. A população não é uma entidade suficientemente discreta para ser uma unidade de selecção natural, não é suficientemente estável nem unitária para ser seleccionada em detrimento doutra.”

(...)

Nanotecnologia Molecular (MNT)

Dawkins aborda resumidamente o campo emergente da MNT(4), dizendo “A Nanotecnologia parece-nos muito estranha, pouco credível”. Ele conclui correctamente que o poder chave da MNT sobre os actuais métodos de construção seriam o da “multiplicação exponencial”. Sublinhando, esta poder dar em nada, ele conclui que esta “nova” tecnologia é na verdade muito “velha”, e tem vindo a ser usada pela vida (por genes) eternamente.

Interessantemente, a lei universal da biologia que Dawkins declarou em “O Rio que Saía do Éden” também se aplica a montadores e replicadores de MNT quando estes forem inventados. Será que isso fará deles seres vivos?

(...)

(1) – http://members.optusnet.com.au/exponentialist/Drexler.htm
(2) – http://pt.wikipedia.org/wiki/C%C3%A9lulas_eucari%C3%B3ticas
(3) – http://members.optusnet.com.au/exponentialist/Cells.htm
(4) – http://pt.wikipedia.org/wiki/Nanotecnologia

domingo, 4 de fevereiro de 2007

Richard Dawkins – Uma Visão Exponencial – Parte 1

Através do texto “Richard Dawkins – Uma Visão Exponencial”(1), tentarei mostrar o que está por trás da pergunta “Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras dez semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?”(2).

Introdução

Dawkins é um caso raro. Por um lado, ele não menciona Malthus(3) uma única vez, em qualquer dos seus livros. Por outro, Dawkins é um dos melhores representantes do Princípio Matemático da População explicado por Malthus entre 1798 e 1830. Para aqueles, com livros de Dawkins, os capítulos chave são Planeamento Familiar (Capítulo 7) de “O Gene Egoísta”, A Bomba Replicadora (Capítulo 5) de “Rio que Saía do Éden”, e O Robot Repetidor (Capítulo 9) de “A Escalada do Monte Improvável”. Neste artigo também recorro a um par de citações de “O Fenótipo Estendido”.

O Princípio da População de Malthus, é geralmente referido em termos de uma população de crescimento exponencial que esgota as suas fontes de alimentação. Populações excessivamente bem sucedidas, são finalmente postas em cheque pelos limites de crescimento de Malthus. Todas as populações são guiadas, pelo seu crescimento exponencial, para uma luta pela sobrevivência de onde só a “crise” emergirá. O crescimento populacional é constantemente controlado pelos Quatro Cavaleiros do Apocalipse, Guerra, Fome, Pestilência e Morte. Em termos Malthusianos estes são todos referidos como “reveses positivos” da população. Malthus, na segunda edição da sua dissertação, adicionou a “restrição moral” como uma alternativa mais humana. Veja-se Malthus - Uma Visão Exponencial(4).

Em “O Fenótipo Estendido” Dawkins (1982) destingue entre replicadores e veículos para replicadores (tal como ratos, seres humanos, elefantes e árvores):

“Genes são replicadores; organismos e grupos de organismos não são considerados como replicadores; são veículos em que os replicadores viajam. A selecção de Replicadores é o processo pelo qual alguns replicadores sobrevivem às custas de outros replicadores. A seleção de veículos é o processo pelo qual alguns veículos são mais bem sucedidos que outros no assegurar da sobrevivência dos seus replicadores.”

Gostaria de deixar claro ao leitor, que dum ponto de vista exponencial, não há nenhuma necessidade de distinção entre replicadores e seus veículos. O mesmo Modelo de Crescimento de Couttsian(5) aplica-se a ambos, e assim o uso do termo “replicador” como sinónimo de ambos. Talvez o replicador exponencial possa ser visto como um “povoador”, embora pessoalmente, pense que o termo “replicador” se adeqúe perfeitamente bem.

Eu também devo explicar que não tenho qualquer problema com a distinção de Dawkins no que diz respeito à Seleção Natural, para Dawkins trata-se da origem das espécies(6). No entanto, se tomarmos uma visão exponencial, então o foco está na origem das populações e não na origem das espécies. Espero que a minha abordagem exponencial explique a origem das populações.

Dawkins (1982) fornece uma definição ampla dum replicador:

“Defino um replicador como algo no universo de que são feitas cópias. Os exemplos são, uma molécula de ADN, e uma folha de papel que é fotocopiada. Replicadores podem ser classificados de duas formas. Podem ser ‘passivos’ ou ‘activos’, e seguindo esta classificação, podem ser replicadores ‘reprodutivos’ ou ‘de beco sem saída’.”

Dum ponto de vista exponencial, é suficiente dizer-se que uma população de replicadores dará origem a cópias desses mesmos replicadores. Isto leva à definição exponencial dum replicador:

“Qualquer coisa no universo que é, individual ou agregadamente, capaz de causar um evento replicativo”

Reprodutores

“A Ideia Perigosa de Darwin” por Daniel C. Dennett(7) (1995) é descrito por Dawkins como “um livro insuperavelmente brilhante”. Nele, Dennett declara a dissertação de Malthus sobre a população, como “a ideia principal” entre as ideias anteriores que levaram Darwin à sua teoria da selecção natural. Dennett relembra Malthus, o crescimento exponencial de qualquer população, leva inevitavelmente a uma rotura, no momento em que se excederem os recursos disponíveis. Dennett continua:

“Foi Malthus que salientou a inevitabilidade matemática de tal rotura em qualquer população de reprodutores a longo prazo - pessoas, animais, plantas (ou, no que diz respeito, máquinas de clonagem de marcianos, embora tais fantasias não fossem discutidas por Malthus).”

Exibindo um entendimento claro de Malthus, Dennett conclui:

“Então a situação normal para qualquer tipo de reprodutores é aquela em que uma maior descendência é produzida que aquela que se reproduzirá no futuro. Por outras palavras, é sempre tempo de rotura.”

É o uso do termo “reprodutores” por Dennett que me interessa. O problema, é que os vírus não se reproduzem, mas mesmo assim, aplica-se o Modelo de Crescimento de Couttsian a populações virais. Também, uma hipotética máquinas de clonagem de marcianos (ou qualquer máquina de von Neumann(8)) seria melhor descrita como um replicador do que um reprodutor.

Assim, acredito ser melhor adoptar a terminologia de Dawkins, e usar o termo “replicador”, em vez de “reprodutor”, e “índice de replicação” em vez de “natalidade”. Veja Replicação Viral - Uma Visão Exponencial(9).

Os Primeiros Replicadores

Na discussão sobre os primeiros replicadores (capítulo 2, “Os Replicadores” de “O Gene Egoísta” 1976, 1989), Dawkins escreve:

Então parece ter-mos chegado a uma grande população de réplicas idênticas. Mas agora, devemos mencionar uma propriedade importante de qualquer processo de cópia: não é perfeito.

Ele continua, usando a analogia com o processo de fotocópia, que tem uma longa história de más cópias. Escreve:

“Nós não sabemos quão exactas são as cópias feitas pelo replicador original. Os seus descendentes modernos, as moléculas de ADN, são surpreendentemente fieis comparadas com o mais sofisticado processo de cópia alguma vez inventado pelo ser humano, mas mesmo estes (replicadores), cometem ocasionalmente erros, e são esses erros que tornam a evolução possível.”

Nas minhas leituras relativas à evolução, costumo entrar no debate relativo ao “nível” (espécie, grupo, indivíduo, gene) a que a evolução trabalha. Algumas pessoas pensam que eles são exclusivos, outras pensam que não. Dos que pensam que não, argumentam então sobre se são concorrentes, hierárquicos, etc... De uma perspectiva exponencial, que pode ser melhor descrita como uma visão Malthusiana e Darwinista, a evolução trabalha ao nível das populações de replicadores.

Em ‘O Gene Egoísta’ (1976, 1989), Dawkins diz que “...a unidade fundamental da selecção não é a espécie, nem o grupo, nem estritamente o indivíduo. É o gene...”

Dawkins refere-se assim a todos os animais, plantas e bactérias como “máquinas de sobrevivência”. Assumindo uma visão simplificada da evolução, e da Seleção Natural em particular, eu acredito que Dawkins está certo. No entanto, de uma perspectiva Malthusiana, acredito que é válido dizer-se que todos os animais, plantas, fungos, bactérias e vírus são replicadores. Tal como o são as moléculas de ADN, células e os muito antecipados replicadores do mundo de nanotecnologia molecular(10). Mesmo formas artificiais/virtuais de vida, são replicadores.

A minha esperança para este artigo é a de que, a visão exponencial demonstrará a natureza unificadora do princípio Malthusiano da população, ao campo da biologia e ao da evolução em particular. Relembrando que a visão exponencial não diz respeito à origem das espécies, em vez disso centra-se no princípio de replicação diferencial, aplicado a todas as populações de replicadores. Assim, ignorando a Selecção Natural (e Selecção Artificial(11)) o princípio da Selecção Malthusiana é revelado. Abordarei este tema mais detalhadamente um pouco mais tarde.

O Gene Egoísta. Capítulo 7 – Planeamento Familiar. (Dawkins - 1976, 1989)

Aqui, Dawkins fornece uma excelente explicação Malthusiana sobre o crescimento da população. Ele opta igualmente pela dispensa dos factores relativos à imigração e emigração, usando para isso a população humana da Terra como um exemplo de uma população para a qual se necessita de considerar apenas a natalidade e a mortalidade:

“A humanidade está a ter crianças demais. O tamanho de população depende de quatro factores: nascimentos, mortes, imigrações e emigrações. Tomando a população mundial como um todo, imigrações e emigrações não ocorrem, e somos deixados com nascimentos e mortes. Enquanto o número médio de crianças por casal for maior do que dois futuros reprodutores, o número de bebés nascidos tenderá a aumentar ao longo dos anos a uma taxa cada vez mais acelerada. Em cada geração da população, em vez de subir numa quantia fixa, aumentara proporcionalmente ao tamanho alcançado. À medida que este tamanho populacional vai aumentando, o tamanho do incremento aumenta também. Se este tipo de crescimento não for impedido, uma população alcançará proporções astronómicas duma forma surpreendentemente rápida.”

É uma pena que Dawkins não tenha estendido a sua explicação para mostrar como os índices de replicação e mortalidade levam a um crescimento exponencial, preferindo, como fez, usar o argumento moderno do índice de substituição demográfico.

Dawkins continua então por salientar correctamente, numa linha semelhante a Malthus a “restrição moral”, de que a reprodução adiada ao longo das gerações seriam tão eficaz quanto o slogan de hoje “Pare aos Dois” dos protagonistas do Crescimento Zero da População:

“A propósito, o que às vezes não é compreendido mesmo pelas pessoas que se preocupam com os problemas da população, é desse crescimento depender tanto de quantas crianças as pessoas têm, como de quando as têm. Como as populações tendem a aumentar numa certa proporção por geração, segue que se se espaçar mais as gerações, a população crescerá por ano a uma velocidade mais lenta. Os slogans que dizem ‘Pare aos Dois’ poderiam de forma igualmente boa ser mudados papa ‘Começar aos Trinta’! Mas, em todo o caso, o crescimento acelerado da população incute sérios problemas.”

Dawkins prossegue, dando um exemplo concreto sobre a população da América Latina:

Por exemplo, a presente população da América Latina anda à volta de 300 milhões, e já muita dessa está subnutrida. Mas se a população continuasse a aumentar à presente taxa, levaria menos que 500 anos para alcançar a situação, onde as pessoas, empacotadas de pé, formariam um sólido tapete sobre a área inteira do continente. Assim seria, mesmo que assumisse-mos que fossem muito magras - uma suposição não muito irreal. Dentro de 1.000 anos eles estariam em cima dos ombros duns dos outros, em mais de um milhão em altura. Por volta dos 2.000 anos, a montanha de pessoas, viajando à velocidade de luz, teria alcançado os limites do universo conhecido.


Tabela 1. Projecção irreal da população humana dobrando (todos os 40 anos), América Latina
Nota: 1A-pop = 1024 pops, 1B-pop = 1024 A-pop, 1C-pop = 1024 B-pop, etc...

Suponha-mos uma população a dobrar constantemente num período de 40 anos (um crescimento anual de aproximadamente 1,75%, o que estava correcto em 1989 altura em que Dawkins escreveu). Usando a minha Nova Escala Malthusiana(12) poderá ver que cada linha corresponde a 10 dobros de população. Assim, cada linha representa 400 anos de população a dobrar. Portanto, entre 12 dobros e 13 dobros mais tarde (480 e 520 anos respectivamente) os 286 B-pops (300 milhões de pessoas) teriam dobrado para uma população entre 1 D-pops e 2 D-pops. Depois dos 2.000 anos de dobramento, os 286 B-pops teriam dobrado a 286 G-pops (337.649.203.525.179.632.779.264 pessoas).

Aqui, Dawkins tem a vantagem da retrospectiva sobre Malthus, e pode ver que os avanços médicos podem estimular o crescimento exponencial das populações humanas, tal como um aumento de alimentação disponível:

“Não lhe terá escapado que isto é um cálculo hipotético! Realmente não acontecerá, por algumas práticas e muito boas razões. Os nomes de algumas dessas razões são: fome, pragas, e guerras; ou, se tivermos sorte, controlo de natalidade. É inútil apelar ao avanço da ciência agrícola – ‘revoluções verdes’ e afins. Aumentos na produção de alimento podem temporariamente aliviar o problema, mas é matematicamente certo, de que eles não serão a solução a longo prazo; de facto, tal como os avanços médicos precipitaram a crise, eles podem mesmo tornar o problema pior, acelerando o índice de expansão da população. É uma verdade logicamente simples, de que, na ausência de emigração em massa para o espaço, em foguetes descolados à razão de vários milhões por segundo, a natalidade incontrolada está condenada a um aumento horrível das taxas de mortalidade. É difícil acreditar, que esta simples verdade não seja entendida por esses líderes que proíbem os seus seguidores de usarem métodos anticoncepcionais eficazes. Eles expressam uma preferência pelos métodos ‘naturais’ de limitação da população, e um método natural é exactamente o que terão. Chama-se fome.

Mas naturalmente, o desconforto que tais cálculos a longo prazo despertam, é baseado no interesse pelo bem estar futuro da nossa espécie como um todo. Os seres humanos (alguns deles) têm a previsão ciente para ver adiante as consequências desastrosas de uma população excedentária.”

Foi Malthus que, escrevendo entre 1798 e 1830, forneceu a certeza matemática a que Dawkins recorre. Dawkins é bastante correcto ao rejeitar a emigração em massa para o espaço através de foguetes como meio de evitar o inevitável (embora a possibilidade de um ou mais elevadores espaciais poderem aliviar o problema ligeiramente). É também correcto ao criticar os que se opõem às medidas anticoncepcionais - aqui Dawkins podia ter incluído Malthus. No entanto, Dawkins e Malthus estão em pleno acordo de a fome ser o carrasco final. Como Malthus escreveu na sua primeira edição de “Um Ensaio sobre O Princípio da População” (1798):

“O poder da população é tão superior ao poder do planeta terra na produção de subsistência para o homem, que a morte prematura deve de alguma forma visitar a raça humana. Os vícios da humanidade são ministros activos e capazes do despovoamento. Eles são os precursores dos grandes exércitos da destruição; e frequentemente terminam por si próprios o seu trabalho terrível. Mas fracassarão nesta guerra de extermínio, de estações doentias, epidemias, pestilência, e pragas, avançando numa impressionante frente, varrendo ao milhares e dezenas de milhares. O seu sucesso será incompleto, pois a fome, manterá inevitavelmente o seu papel do fundo, e com um golpe poderoso nivelará a população com o alimento mundial.”

(...)

O Gene Egoísta (1976, 1989 - resumido)

Dawkins discute então a resposta do mundo natural ao crescimento exponencial, e cita o exemplo do lince canadiano cuja população tem estado historicamente num estado de equilíbrio dinâmico:

“... é um facto óbvio de que as populações selvagens de animais permanecem bastante estáveis, com natalidades e mortalidades próximas uma da outra. Em muitos casos, os roedores são um exemplo famoso, onde a população flutua descontroladamente, com explosões violentas alternadas com quebras e quase extinção. Ocasionalmente o resultado é a extinção total, pelo menos numa população localizada. Às vezes, como no caso do lince canadiano - onde estimativas são obtidas dos números de peles vendidas pela Companhia da Baía do Hudson em anos sucessivos - a população parece oscilar ritmicamente. A única coisa que as populações animais não fazem é aumentar indefinidamente.”

Embora Dawkins esteja correcto ao dizer que as populações animais (ou, de facto, qualquer população) não “aumentam indefinidamente”, é também verdade que todas as populações aproveitam cada oportunidade para o fazer. Essa é a natureza de qualquer espécie de replicador. São apenas as acções de controlo dos revés Malthusianos na população que contêm a população de linces. Com o crescimento da população de linces, estas agem então como um revés Malthusiano (Morte, um dos Quatro Cavaleiros do Apocalipse) sobre várias populações de presas, cujos números então caem. Isto resulta em fome (outro dos Quatro Cavaleiros) reduzindo por sua vez a população de linces, cujos números então declinam. Uma queda na população de linces reduz os reveses nas populações de presas, cujos números sobem, e o ciclo inteiro recomeça outra vez.

No entanto, a questão central é a de essa remoção do reveses numa população, encorajar tipicamente o crescimento exponencial dessa mesma população (ou, na pior da hipóteses, diminuir o seu crescimento negativo). Como Darwin o expressa na Origem das Espécie (1859):

“Assim, podemos confiantemente afirmar, que todas as plantas e animais tendem a aumentar a sua população numa proporção geométrica, que acabarão da forma mais rápida por ocupar todo o lugar em que podem de alguma forma existir, e que essa tendência geométrica é controlada pela destruição nalgum período de vida.”

Dawkins salienta correctamente que a humanidade atingiu um estado artificial, em que muitos de nós morre simplesmente de velhice:

“Os animais selvagens quase nunca morrem de velhice: fome, doença, ou predadores alcançam-nos muito antes de eles se tornarem senis. Até há pouco tempo, isto era verdade também para o homem.”

(a continuar)


(1) – Traduzido de http://members.optusnet.com.au/exponentialist/Dawkins.htm
(2) – Pergunta do referendo de 11 de Fevereiro de 2007 sobre a IVG (Portugal)
(3) – Thomas Robert Malthus, http://pt.wikipedia.org/wiki/Thomas_Malthus
(4) – http://members.optusnet.com.au/exponentialist/Malthus.htm
(5) – http://academia.wikia.com/wiki/Couttsian_Growth_Model
(6) – http://pt.wikipedia.org/wiki/Esp%C3%A9cie
(7) – Daniel Dennett, http://en.wikipedia.org/wiki/Daniel_Dennett
(8) – John von Neumann, http://pt.wikipedia.org/wiki/John_von_Neumann
(9) – http://members.optusnet.com.au/exponentialist/Virus.htm
(10) – http://en.wikipedia.org/wiki/Molecular_nanotechnology
(11) – http://en.wikipedia.org/wiki/Artificial_selection
(12) – http://members.optusnet.com.au/exponentialist/MalthusScale.htm