domingo, 28 de janeiro de 2007

Bons Rapazes Terminam em Primeiro – Parte 1

O Dilema do Prisioneiro

Rapazes amáveis acabam em último. A frase parece ter origem no mundo do baseball, embora alguns indiquem uma origem alternativa. O biologista americano Hardin Garrett usou essa mesma frase para resumir o que pode ser chamado de “sociobiologia” ou “Egoísmo de Género”(1). É fácil de se ver a sua justeza. Se traduzirmos o significado coloquial de ‘bom rapaz’ no seu equivalente darwiniano, um rapaz amável é um indivíduo que ajuda os outros membros da sua espécie, às suas próprias custas, por deixar de transmitir os seus genes para a geração futura. Rapazes amáveis, parecem estar à partida, condenados a diminuir em número: amabilidade sofre assim uma morte darwiniana. Mas há uma outra interpretação técnica da palavra coloquial “amável”. Se adoptarmos esta outra, que não foge muito do significado coloquial, rapazes amáveis podem de facto terminar em primeiro. Esta conclusão mais optimista, é a que será abordada neste capítulo.

Lembra-se dos Grudgers do Capítulo 10(2). Tratavam-se de pássaros que se ajudavam duma forma aparentemente altruísta, mas recusavam-se a ajudar (de forma rancorosa), indivíduos que previamente se tinham recusado ajudá-los. Os Grudgers vieram a dominar a população, porque passaram mais genes a gerações futuras do que quaisquer Papalvos (que ajudaram os outros indiscriminadamente, e foram dessa forma explorado) ou Vigaristas (que tentaram cruelmente explorar todos os outros, acabado por prejudicar todos eles). A história dos Grudgers ilustra um princípio geral importante, que Robert Trivers chamou de ‘altruísmo recíproco’. Como vi-mos no exemplo do peixe limpador (pág. 186-7), altruísmo recíproco não está confinado a membros de uma única espécie. Existe em todos os relacionamentos que são chamados simbióticos – por exemplo, as formigas na ordenha do seu ‘gado’ de afídios (pág. 181). Desde que o Capítulo 10 foi escrito, o cientista político americano Roberts Axelrod (trabalhando parcialmente em colaboração com W. D. Hamilton, cujo nome deste último foi cortado de tantas páginas deste livro), levou a ideia de altruísmo recíproco a novas direcções. Foi Axelrod que definiu o significado técnico da palavra ‘amável’ a que eu aludi no parágrafo de abertura.

Axelrod, como muitos cientistas políticos, economistas, matemáticos e psicólogos, ficou fascinado por um simples jogo chamado O Dilema do Prisioneiro. É tão simples que descobri haverem homens, que apesar de serem inteligentes, não o terem compreendido de todo, pensando que teria de haver algo mais nele! Mas a sua simplicidade é enganosa. Prateleiras inteiras de bibliotecas, encontram-se dedicadas a ramificações deste jogo encantador. Muitas pessoas influentes acham que este tem a chave para o planeamento estratégico da defesa, e que deve ser estudado por forma a evitar uma terceira guerra mundial. Como biólogo, concordo com Axelrod e Hamilton, de que muitos animais selvagens e plantas estão interligados num incessante jogo do tipo do Dilema do Prisioneiro, jogado ao logo do período evolutivo.

O jogo na sua versão humana e original é jogado da seguinte maneira. Há um ‘banqueiro’, que paga pelas vitórias dos dois jogadores. Suponha que jogo contra si (embora, como veremos, ‘contra’ é precisamente o que nós não devemos ser). Existem apenas duas cartas, marcadas com COOPERA e DESERTA. Para jogar, escolhemos cada um uma carta, e colocamo-las de face para baixo em cima da mesa. De face para baixo, por forma a que nenhum de nós possa ser influenciado pela escolha do outro: na realidade, jogaremos simultaneamente. Esperaremos ansiosos para que o banqueiro vire ambas as cartas. A incerteza vem do facto da nossa recompensa depender não só da carta que jogámos (a qual temos conhecimento), mas também da do outro jogador (a qual apenas conheceremos no momento em que o banqueiro a virar).

Como existem 2x2 cartas, há quatro combinações possíveis de resultados. Para cada resultado, as nossas recompensas são as seguintes (em dólares considerando as origens norte-americanas do jogo).

Resultado I: Jogamos ambos COOPERA. O banqueiro paga a cada um de nós $300. A esta soma respeitável chama-se recompensa por cooperação mútua.
Resultado II: Jogamos ambos DESERTA. O banqueiro recebe de cada um de nós $10. Isto será chamado de punição por mútua deserção.
Resultado III: Você jogou COOPERA; eu joguei DESERTA. O banqueiro paga-me $500 (a tentação para desertar) o cobra-lhe $100 (custo do Papalvo).
Resultado IV: Você jogou DESERTA; eu joguei COOPERA. O banqueiro paga-lhe $500, e cobra-me $100.

Os resultados III e IV são obviamente simétricos: um jogador sai-se muito bem e o outro muito mal. Nos resultados I e II saímo-nos de forma igualmente boa, mas o resultado I é melhor para nós do que o II. As quantidades exactas de dinheiro não importam. Nem sequer importa quantas delas são positivas (pagamentos) e quantas, se algumas, são negativas (multas). O que interessa, para o jogo se qualificar como um verdadeiro Dilema do Prisioneiro, é a sua ordem hierárquica. A Tentação pela deserção deve ser maior que a Recompensa pela cooperação mútua, que deve por sua vez, ser maior que aquela pela deserção mútua, e maior que a do Papalvo. (Estritamente falando, há mais uma condição para que o jogo se possa qualificar-se como um verdadeiro Dilema do Prisioneiro: a média da Tentação junto com o desfecho do Papalvo, não devem exceder a Recompensa pela cooperação mútua. A razão para esta condição adicional emergirá mais tarde). Os quatro resultados estão resumidos na matriz de desfecho da Figura 1.


Figura 1 – Recompensas e punições dos vários resultados do jogo O Dilema do Prisioneiro

Agora, por quê o ‘dilema’? Para o ver, olhe para a matriz de desfecho da Figura 1, e imagine os meus pensamentos enquanto jogo contra si. Eu sei que só pode jogar duas cartas, COOPERA e DESERTA. Consideremo-las ordenadamente. Se jogou DESERTA (teremos de olhar para a coluna da direita), a melhor carta que eu poderia ter jogado seria igualmente DESERTA. Reconhecidamente teria sofrido a penalidade pela deserção mútua, mas se tivesse cooperado, teria o desfecho do Papalvo que seria muito pior. Viremo-nos agora para a outra coisa que poderia ter feito, COOPERA. Olhando para a coluna da esquerda, uma vez mais, DESERTA será a minha melhor jogada. Se ambos tivéssemos cooperado receberíamos igualmente uns bons $300. Mas se deserta-se receberia ainda mais, ou seja $500. Conclui-se assim que, sem ter em conta a carta que irá jogar, a minha melhor jogada será sempre DESERTA.

Desta forma, cheguei à conclusão lógica, de que independentemente do que faça, eu devo desertar. E você, seguindo o mesmo raciocínio, chegará à mesma conclusão. Assim sendo, quando dois jogadores racionais se encontram, optarão ambos por desertar, acabando por pagar a punição por mútua deserção. Mas cada um, sabe muito bem, que, se ao menos tivesse-mos jogado COOPERA, teríamos obtido uma recompensa relativamente alta pela cooperação mútua ($300 no nosso exemplo). Essa é a razão pela qual o jogo é chamado de dilema, pela qual parece ser tão desconcertante, e pela qual já foi proposto haver uma lei contra ele.

O termo ‘prisioneiro’ vem de um exemplo particular e imaginário. A moeda de troca, neste caso, não é em dinheiro mas em anos de prisão. Dois homens, chamados Peterson e Moriarty, estão na cadeia, suspeitos de participarem num crime. Cada prisioneiro, na sua cela separada, é convidado a trair o seu colega (DESERTA), divulgando fortes provas contra ele. O que acontece a seguir depende do que ambos irão fazer, e nenhum deles sabe o que o outro irá fazer. Se Peterson atirar as culpas inteiramente para cima de Moriarty, e por outro lado Moriarty mantiver uma história plausível por forma a guardar silêncio (cooperando com seu outrora companheiro e agora traidor), Moriarty receberá uma pesada sentença, enquanto Peterson, escapar-se-á de qualquer sentença por ter cedido à tentação de desertar. Se cada um deles trair o outro, ambos serão condenados pelo crime, mas recebem por outro lado algum crédito por terem denunciado o outro, recebendo dessa forma uma sentença pesada mas de alguma forma reduzida, como castigo pela deserção mútua. Se ambos cooperassem (um com o outro, e não com as autoridades) recusando-se a falar, não haveriam provas suficientes para os condenar pelo crime principal, acabando por receber uma sentença pequena por uma ofensa menor, a recompensa pela cooperação mútua. Embora pareça estranho chamar a uma pena de cadeia uma ‘recompensa’, seria dessa forma que os homens a veriam, se a comparassem com a alternativa de passar um período muito maior a trás das grades. Notará que, embora as ‘recompensas’ não estejam em dólares mas em anos de cadeia, as características essenciais do jogo mantêm-se (olhando para a ordem hierárquica dos quatro resultados). Se se puser no lugar de qualquer um dos prisioneiros, supondo que ambos são motivados pelo interesse pessoal e racional, e lembrando-se de que não podem conversar entre si por forma a firmarem um pacto, verá que nenhum deles terá outra escolha que não seja a de se traírem mutuamente, condenando-se cada um a uma sentença pesada.

Há alguma forma de se sair do dilema? Ambos os jogadores sabem o que seu oponente fará, eles não pode fazer melhor que desertar; mas também sabem, que se ao menos tivessem cooperado, cada um ter-se-ia saído muito melhor. Se ao menos... se ao menos... se ao menos houvesse uma forma de chegar a acordo, alguma forma de cada jogador assegurar ao outro que nele se lhe pode confiar, que não procurará a egoísta jogada do jackpot, alguma forma de policiar o acordo.

No simples jogo do Dilema do Prisioneiro, não há nenhum meio de garantir confiança. A não ser que pelo menos um dos jogadores seja um santo Papalvo, demasiado bom para este mundo, o jogo está condenado a acabar em deserção mútua com resultados paradoxalmente pobres para ambos os jogadores. Mas há outra versão do jogo. É o chamado de Dilema do Prisioneiro ‘Iterado’ ou ‘Repetido’. O jogo iterado é mais complicado, e é na sua complicação que reside a esperança.

(a continuar)

(1) – Retirado do inglês ‘selfish genery’.
(2) – Chapter 10, You scratch my back, I’ll ride on yours, The Selfish Gene by Richard Dawkins.

domingo, 21 de janeiro de 2007

Pombos e Falcões

Hoje vou tentar dar resposta a alguns dos problemas confrontados no meu “post” anterior As Raízes da Riqueza, no primeiro exemplo, em que os dois marinheiros decidem seguir a partir de uma dada altura o seu próprio caminho, dividindo as posses anteriormente comuns, são-nos evidenciados os problemas para o conjunto dos dois intervenientes. No entanto não nos é dada resposta a uma simples pergunta. Se a situação deles seria no conjunto boa, ou a melhor possível, porque razão haveriam de ficar insatisfeitos, e de onde vem essa insatisfação que muitas das vezes é contraproducente do ponto de vista global?

Para tentar responder a essa simples pergunta, vou falar do conceito EEE (Estratégica Evolucionariamente Estável) ou em inglês ESS (Evolutionary Stable Strategy), este conceito foi introduzido por um biólogo de nome Maynard Smith(1), e está intimamente relacionado com a Teoria dos Jogos. Deixarei no entanto a teoria dos jogos para outra altura, abordando hoje apenas o conceito EEE.

Uma Estratégica Evolucionariamente Estável, pode ser definida como aquela cuja maioria dos membros de uma determinada população adoptam, e que não pode por outro lado, ser melhorada por qualquer estratégia alternativa. Uma outra forma de dizer, trata-se de uma estratégia individual, a qual depende da atitude da maioria da população. Como a população consiste num grupo de indivíduos, cada um tentando maximizar o seu próprio sucesso (ponto de vista reprodutivo), a única estratégia sobrevivente será aquela, uma vez atingida, que não poderá ser ultrapassada ou melhorada por qualquer outra dum indivíduo desviante. A selecção natural irá assim penalizá-lo.

Consideremos o caso mais simples descrito por Maynard Smith’s, imaginemos que há apenas dois tipos de estratégia de conflito, numa população de duas espécies particulares de comportamento, Pombos e Falcões (sentido figurado). Todo o indivíduo ou população hipotética é classificada como Pombo ou Falcão, cujo comportamento se descreve da seguinte maneira:

Pombo: Atacam de uma forma convencional, nunca ferindo nenhum outro;
Falcão: Atacam desenfreadamente, esforçando-se o mais que podem, parando apenas quando feridos gravemente.

Os resultados dos possíveis conflitos são os seguintes:

Pombo vs. Pombo: Ameaçam-se mutuamente durante um longo período até que um deles desista, sem no entanto ficar ferido;
Pombo vs. Falcão: Pombo foge imediatamente, e assim não é ferido;
Falcão vs. Falcão: Lutam até que um deles se fira gravemente ou morra.

Nos conflitos é assumido que, não há forma de um indivíduo saber à partida se o adversário é um Pombo ou um Falcão, e que só o descobre quando o conflito tiver início. Além disso, não há a capacidade por parte dos intervenientes de manter uma memória dos conflitos ocorridos.

Agora, de uma forma arbitrária, iremos atribuir pontos aos vários intervenientes conforme o desfecho de cada conflito. A pontuação é definida da seguinte maneira:

Vitória: 50 pontos;
Desistência: 0 pontos;
Derrota por ferimentos graves: -100 Pontos;
Custo de perda de tempo (combates longos): -10 Pontos.

Este sistema de pontos deverá ser considerado como o sucesso de proliferação genética no agrupamento genético(2) dos indivíduos em conflito. Assim, para um indivíduo com uma pontuação alta, haverá no agrupamento genético uma maior quantidade dos seu genes, e consequentemente do seu tipo de comportamento.

O objectivo deste concurso não é o de saber quem ganha a quem, pois isso já sabemos, o que nos interessa saber, é, de qual das duas estratégias é a EEE. Caso uma delas o seja, é de se esperar que essa mesma estratégia evolua em detrimento da outra. No entanto, veremos que nenhuma destas estratégias é uma EEE, e para o demonstrar, teremos de considerar o cálculo da média das pontuações.

Caso a população fosse inteiramente constituída por Pombos, sempre que lutassem, nenhum deles seria ferido. Os conflitos resumir-se-iam a um conjunto de lutas ritualizadas, que terminaria com a desistência de um dos lados. Assim, o vencedor receberia 50 pontos por ter vencido, e perderia 10 relativamente ao tempo despendido, resultando numa recompensa final de 40 pontos. Por outro lado o perdedor sairia penalizado com -10 pontos. Assim em média (50% vitórias, 50% derrotas), a população geral de Pombos tem um recompensa de 1/2*(40 – 10) = 15 pontos. Assim sendo, a população de Pombos sai-se com um saldo razoável.

Suponha-mos agora, que devido a uma mutação, surge um Falcão na população de Pombos. Como ele será o único Falcão nas redondezas, irá ganhar todos os conflitos, sendo recompensado em 50 pontos para cada um deles, e esta será a sua recompensa média. O Falcão gozará de um enorme sucesso dentro da população de Pombos, pelo que, os seus genes se espalharão rapidamente.

Mas agora, com o aumento de Falcões na população, os rivais encontrados por um Falcão não serão todos Pombos. E levando ao extremo, se a população de Falcões se espalhar de uma forma tão bem sucedida, a população total será constituída apenas por Falcões, sendo todas as lutas do tipo Falcão vs. Falcão. Neste caso, a população de Falcões terá como recompensa 1/2*(50 – 100) = -25 pontos. Se agora invertermos o cenário, e considerar-mos o surgimento de um Pombo na população de Falcões, será evidente que ele perderá todos os conflitos, mas não sairá deles ferido nem perderá qualquer tempo. A sua recompensa será de 0 pontos, superior aos -25 dos Falcões, espalhando deste modo os seus genes pela população.

Na realidade não se chegará a nenhum dos extremos anteriormente considerados, nem a população terá grandes oscilações entre Pombos e Falcões, haverá por isso um rácio estável entre ambos. Para os pontos que definimos, teremos um rácio de 5/12 Pombos e de 7/12 Falcões(3). Assim, neste exemplo, a EEE resume-se a um rácio de 5:7 (Pombos/Falcões), significando que, aqueles que aumentarem a sua população relativamente a este equilíbrio serão prejudicados. O mesmo acontece no rácio 50:50 relativamente ao tipo de sexo, em qualquer dos casos, as oscilações em torno deles não serão acentuadas.



Figura 1. Ponto de equilíbrio EEE


Superficialmente, isto pode parecer como selecção de grupos, porque nos faz pensar numa população em equilíbrio, que retorna a este sempre que perturbada. Mas o conceito EEE é muito mais subtil. Não tem nada a ver com grupos mais bem sucedidos que outros. Isto pode ser facilmente ilustrado pelo nosso exemplo anterior. A recompensa de cada indivíduo segundo o rácio determinado anteriormente de 5:7, será de 6,25, independentemente de se tratar de um Pombo ou de um Falcão. Mas 6,25 é muito menos que 15, relativos a uma população constituída só por Pombos. Se todos, simplesmente concordassem em ser Pombos, cada indivíduo sairia beneficiado. Pela simples selecção de grupos, qualquer grupo no qual todos os elementos concordassem em ser Pombos, seria muito mais bem sucedido que qualquer outro cujo rácio fosse o da EEE (em abono da verdade, uma conspiração de Pombos não é a mais vantajosa, um grupo com 5/6(4) de Pombos e 1/6 de Falcões, em média tem uma recompensa de 16,67 superior a 15).

Segundo a teoria da selecção de grupo, a população prevista seria uma constituída apenas por Pombos, visto o grupo que contém apenas 5/12 de Pombos ter uma recompensa muito inferior. Mas o problemas com as conspirações, mesmo aquelas que são vantajosas para todos, é o de estarem vulneráveis a abusos. É verdade que todos se saem melhor num grupo de todos Pombos, do que noutro em equilíbrio (EEE). Mas infelizmente, numa conspiração de Pombos, um único Falcão sai-se tão bem, que nada pode impedir a evolução destes. A conspiração está assim condenada a ser quebrada pela traição interna. Uma estratégia EEE é estável, não porque seja particularmente boa para os indivíduos, mas simplesmente por ser imune a traições no grupo em que se estabelece.

É no entanto, possível para humanos, assinar pactos, ou entrar em conspirações em que todos beneficiam, mesmo que não seja estável do ponto de vista da EEE. Mas isto será apenas possível porque cada indivíduo recorre à sua previdência conscenciosa, e através dela compreende que é do seu próprio interesse obedecer às regras do pacto. Mas mesmo neste tipo de pactos, existe o perigo constante, de que os indivíduos venham a ganhar muito mais no curto prazo quebrando essas regras, o que faz com que a tentação seja irresistível.

Talvez o melhor exemplo seja o da fixação de preços. É do interesse de todos os gasolineiros, que seja estabelecido um preço artificialmente alto. Alianças de acordo de fixação de preços, cuja estimação é do melhor interesse de todos, pode sobreviver por longos períodos. Mas mesmo assim, é comum haver alguém que ceda à tentação de baixar o preço. Imediatamente todos o seguem na sua acção (mercado de livre concorrência). Infelizmente para o resto de nós, a consciência dos gasolineiros volta a surgir na forma de um novo pacto de fixação de preços. Assim, mesmo no caso dos homens, seres com uma consciência previdente, pactos ou conspirações baseados nos interesses comuns a longo prazo, vacilam constantemente, estando sempre à beira do colapso devido à traição interna. Nos animais selvagens, controlados pela luta dos genes, é ainda mais difícil encontrar formas; pelas quais o grupo beneficie, ou em que estratégias conspirativas evoluam. Deveremos esperar encontrar EEE em todo o lado.

O estado de equilíbrio no agrupamento genético representado pelo rácio do exemplo anterior, é tecnicamente descrito como polimorfismo. No entanto, matematicamente, um equilíbrio do tipo EEE pode ser atingido sem um polimorfismo. Se cada indivíduo for capaz de se comportar quer como Pombo quer como Falcão, um equilíbrio do tipo EEE poderá ser conseguido, numa população em que todos os indivíduos têm a mesma probabilidade de se comportarem como Pombos, ou seja 5/12. Isto significa que todos os indivíduos, em cada conflito que participam, escolhem um tipo de comportamento de uma forma aleatória, segundo a razão de 5:7 (Pombos/Falcões). É importante que a decisão seja realmente aleatória, sem que à partida se saiba qual o comportamento do oponente.

Esta história é um pouco naïve. Mas apesar da sua simplicidade, ajuda-nos a compreender as possíveis razões, da dificuldade de existência de uma sociedade que satisfizesse John Ruskin. No seu Simples Exemplo, quando as posses dos dois marinheiro são divididas, tal pode ter resultado da insatisfação de uma das partes como é dito, e essa insatisfação vem do facto de essa mesma parte ter mais a ganhar com a “traição” do acordo vigente, embora no conjunto e na globalidade ambos saiam a perder. Poder-se-ia dizer que, como houve uma espécie de traição de um acordo de amizade, poderia haver também uma outra, relativamente à obrigatoriedade da caução, por forma a que o trabalho em dívida não tivesse de ser recompensado na sua totalidade ou na forma previamente acordada. Mas aqui há uma diferença (ou não), visto todas as leis, garantirem a sua aplicabilidade através de um mecanismo de represálias normalmente de custo superior ao do seu cumprimento, pois caso contrário sofrerá do mesmo mal que qualquer outro acordo meramente tácito.

No segundo exemplo, constituído por três homens em vez de dois, é-nos dito para se supor que não existe nenhuma comunicação entre os dois homens que mantêm a sua função de agricultores. Ora como vimos, este pressuposto coloca esses mesmos dois homens numa posição bastante fragilizada, pela simples razão de que o transportador sabe à partida qual o comportamento destes, podendo fazer o papel de Falcão se assim o entender, e não haverá empatia possível, que por si só o impeça de tal. A recompensa é evidente e descrita logo de seguida, a aquisição de todas as propriedades e posterior escravização dos seus anteriores proprietários. Nada mais que a quebra de uma situação mais vantajosa para todos, pela simples razão de não se tratar de um equilíbrio EEE.

A “riqueza comercial” referida por John Ruskin, nada mais é que a concretização dos interesses individuais às custas da frustração constante de qualquer estado de providência, toda a oportunidade imediata é aproveitada, sem qualquer consideração pelo bem comum, pois este carece de garantias e de imposições, algo sempre muito complicado de se instaurar e ainda mais de se manter. Pode-se dizer que existem dois tipos de equilíbrio, um forçado, que favorece o grupo como um todo, e outro natural, que favorece o indivíduo como elemento isolado (EEE). As oscilações entre um equilíbrio e outro são previsíveis, pelo simples facto, extremamente contraditório, do homem ser antes de qualquer outra coisa um indivíduo, cujos interesses se sobrepões a quaisquer outros, como sejam os sociais. É o papel da civilização, tentar conciliar a natureza humana com o bem social, e fazer dos dois algo indistinguível.

(1) – John Maynard Smith – http://en.wikipedia.org/wiki/John_Maynard_Smith
(2) – Do inglês Gene Pool
(3) – 50.x – 25.(1 – x) = 15.x + 0.(1 – x) <=> x = 25/60 = 5/12
(4) – (d/dx)[(1 – x).[50.x – 25.(1 – x)] + x.[15.x + 0.(1 – x)]] = 0 <=> x = 100/120 = 5/6

Bibliografia: The Selfish Gene – Richard Dawkins

domingo, 14 de janeiro de 2007

As Raizes da Riqueza por John Ruskin - 1860

John Ruskin


A resposta que será dada por qualquer economista político comum às sentenças contidas no capítulo anterior(1), em poucas palavras é a seguinte:

“É sem dúvida verdade que certos benefícios de natureza geral podem ser obtidos pelo desenvolvimento de afectos sociais. Mas os economistas políticos nunca consideraram ou consideram, levar em consideração os benefícios de natureza geral. A nossa ciência é simplesmente a ciência de ficar rico. Longe de ser falaciosa ou visionária, verifica-se por experiência ser efectiva. As pessoas que seguem os seus preceitos ficam realmente ricas, e as pessoas que os desobedecem ficam pobres. Todo o capitalista adquiriu a sua fortuna seguindo as conhecidas leis desta ciência, e aumenta diariamente o seu capital através da sua aplicação. É um exercício vão emitir truques de lógica, contra a força de factos bem sucedidos. Todo o homem de negócios sabe por experiência como o dinheiro é ganho e como é perdido.”

Peço desculpa. Homens de negócio sabem realmente como conseguem adquirir o seu dinheiro, ou como, ocasionalmente o perdem. Jogando um jogo há muito praticado, estão familiarizados com as chances das suas cartas, e podem correctamente explicar os seus ganhos e percas. Mas eles não sabem quem mantém a banca da sala de jogo, que outros jogos podem estar a ser jogados com as mesmas cartas, nem que outros ganhos e percas, longe nas ruas obscuras, são essencialmente dependentes dos seus dentro das salas iluminadas. Aprenderam poucas, e apenas poucas, das leis da economia mercantil; mas nenhuma das da economia política.

Ricos precisam de Pobres

Antes de mais, o que é notável e curioso, é que os homens de negócio raramente sabem o significado da palavra “riqueza”. Pelo menos, se sabem, não admitem nos seus raciocínios tratar-se de uma palavra relativa, implicando o seu oposto “pobreza” como a palavra “norte” implica o seu oposto “sul”. O Homem quase constantemente fala e escreve como se as riquezas fossem absolutas, e fosse possível, seguindo certas regras científicas, todos serem ricos. Enquanto os ricos são um poder como o da electricidade, agindo apenas através de desigualdades ou negações desse poder. A força da moeda presente no seu bolso depende completamente da sua falta no bolso do seu semelhante. Se ele a não quiser, ser-lhe-á inútil para si; o grau de poder que possui depende precisamente da necessidade e desejo que ele tiver por ela, - e a arte de se tornar rico, no senso comum economista mercantil, é igualmente e necessariamente a arte em manter o seu semelhante pobre.

Não me contento nesta matéria (e raramente em qualquer outra), pelos termos aceites. Mas desejo que o leitor claramente e profundamente compreenda a diferença entre as duas economias, às quais os termos “Política” e “Mercantil” não podem, de forma não precipitada ser associados.

Economia Política

Economia política (a economia do estado, ou do cidadão) consiste simplesmente na produção, preservação, e distribuição, de coisas úteis e aprazíveis em alturas e locais bem definidos. O lavrador que corta o seu feno na altura certa; o carpinteiro naval, que prega as suas cavilhas nos locais certos; o construtor que assenta tijolos de forma bem ordenada, a dona de casa que limpa a mobília na sala, e limita o desperdício na sua cozinha; a cantora que disciplina e nunca sobrecarrega a sua voz: são todos economistas políticos no verdadeiro e final sentido do termo; adicionando continuamente valor à riqueza e bem estar à nação que eles amam.

Economia Mercantil

Mas a economia mercantil, a economia da “penalidade” ou do “pagamento”, significa a acumulação, nas mãos de indivíduos, de legal ou moral direito a, ou de poder sobre o trabalho dos outros; implicando precisamente cada uma das exigências, tanta pobreza ou dívida de um lado como riqueza ou direito doutro.

(...)

Impacto da Desigualdade

O estabelecimento de tal desigualdade não pode ser evidenciada no abstracto, quer nas vantagens ou desvantagens para a nação. A presunção absurda e precipitada de que essas desigualdades são necessariamente vantajosas, tem a sua raiz nas falácias populares sobre o tema da economia política. Como lei eterna e inevitável relativa a este tema, é a de que o benefício da desigualdade depende, primeiramente, dos métodos segundo os quais tal é atingido, e, secundariamente, do propósito segundo o qual é implementada. Desigualdade em riqueza, injustamente estabelecida, tem indubitavelmente ferido a nação onde existe durante o seu estabelecimento; e, impõe prejuízos ainda maiores durante a sua existência. Mas em contrapartida, desigualdades de riqueza justamente estabelecidas, beneficiam a nação no decurso do seu estabelecimento; e, nobremente usadas, ajudam ainda mais durante a sua existência. É o mesmo que dizer, ao longo de toda a população activa e bem governada, as várias capacidades dos indivíduos, testadas através do seu exercício e especialização a várias necessidades, geram resultados desiguais mas harmoniosos, recebendo recompensas e autoridade de acordo com a sua classe e serviço; enquanto, na população inactiva e mal governada, os graus de decadência e as vitórias de conspirações criam o seu próprio sistema grosseiro de subjugação e prosperidade; e substituem assim, pela desigualdade harmoniosa, a dominação desigual e a crise, da culpa e desgraça.

Dinheiro como Sangue

A circulação de riqueza numa nação assemelha-se à do sangue num corpo animal. Existe um impulso na corrente que vem da alegria das emoções ou do exercício saudável; e outro que vem da infelicidade ou da doença. Existe um fluxo no corpo cheio da calor e vida; e outro que redunda em putrefacção.

A analogia sustenta-se ao mais pequeno pormenor. Assim como a determinação local de sangue doente implica uma degradação da saúde geral do sistema, todas as acções locais mórbidas dos ricos terão consequência final no enfraquecimento dos recursos do corpo político.

Saúde ou Doença

O modo segundo o qual se chega à analogia anterior, pode ser entendida examinando-se um ou dois exemplos do desenvolvimento da riqueza nas mais simples circunstancias possíveis.

Simples Exemplo

Suponha-mos dois marinheiros deixados numa praia deserta, e obrigados a manterem-se através do seu próprio trabalhos ao longo de anos.

Se ambos mantiverem a sua saúde, e trabalharem regularmente amigavelmente um com o outro, poderão construir para eles uma casa cómoda, e com o tempo vir a possuir uma quantidade de terra cultivada, juntos terão várias reservas para uso futuro. Todas estas coisas serão verdadeiras riquezas ou pobrezas; e, supondo que ambos os homens trabalharam de forma igualmente árdua, terão dessa forma igual direito à partilha ou uso do que fizeram. A sua política económica consiste basicamente na cuidada preservação e justa distribuição dessas possessões. Talvez, no entanto, após algum tempo um ou outro poderão ficar insatisfeitos com os resultados da sua agricultura comum; e podem em consequência concordar em dividir a terra que possuem em duas partes iguais, para que cada um possa agora trabalhar no seu próprio campo e viver dele. Suponha-mos agora que após esta mudança se ter concretizado, um deles adoece, e fica incapacitado de trabalhar a sua terra num período crítico – digamos na sementeira ou na colheita.

Ele irá naturalmente pedir ao outro para semear ou colher por ele.

O seu companheiro poderá dizer, com toda a justiça, “Eu irei fazer esse trabalho por ti, mas tens de prometer fazer o mesmo por mim noutra altura. Eu irei contar quantas horas perco no teu terreno, e deverás assinar uma promessa de trabalho pelo mesmo número de horas no meu terreno, sempre que precisar da tua ajuda, e tu a poderes dar”.

Suponha-mos agora que o inabilitado continua doente, e por várias razões ao longo de vários anos, necessitando da ajuda do outro, assinando em cada evento uma caução para – trabalhar assim que estiver habilitado, às ordens do seu companheiro, pelo mesmo número de horas que o outro lhe disponibilizou. Qual será a posição dos dois homens quando o inválido estiver apto a executar o seu trabalho?

Considerada como uma cidade, ou um estado, eles estarão mais pobres do que estariam de outra forma: pobres pela eliminação do trabalho que o homem doente teria produzido nesse período. O seu amigo pode talvez ter trabalhado arduamente devido à maior necessidade, mas no fim a sua própria terra e propriedade sofreram pelo retirar do seu tempo e propósito por ela; e assim a propriedade conjunta dos dois homens será certamente menor do que seria se ambos se mantivessem saudáveis.

Mas a relação entre eles é ela própria significativamente alterada. O homem doente penhorou não só o seu trabalho por alguns anos, mas provavelmente esgotou também a sua reserva acumulada, e terá em consequência por algum tempo, de depender do outro para comer, pela qual pode apenas pagar ou recompensá-lo penhorando ainda mais o seu trabalho.

Supondo que as cauções escritas são totalmente válidas (entre nações civilizadas a sua validade é assegurada por leis), a pessoa que trabalhou até agora para os dois, pode, se assim o escolher, descansar completamente, e passar o seu tempo na ociosidade, não apenas forçando o seu companheiro a amortizar todos os acordos em que entrou, mas também agravando a sua dívida por trabalho futuro, numa quantidade arbitrária, pela comida que lhe é dada como adiantamento.

Pode até não haver a menor ilegalidade (no sentido comum da palavra) no acordo; mas se um estranho chegasse à costa nesta época avançada da sua economia política, ele encontraria um homem comercialmente rico, e outro comercialmente pobre. Ele viria, talvez com grande surpresa, um, passando os seus dias em completo ócio; enquanto outro, trabalhando por dois, e vivendo na escassez e na esperança de num período distante recuperar a sua independência.

Riqueza Mercantil reduz a Riqueza Total

Este, é claro, um exemplo de uma entre muitas outras formas da desigualdade de posse ser estabelecida entre diferentes pessoas, dando origem a formas Mercantis de Riqueza e Pobreza. No caso descrito anteriormente, um dos homens logo no início, pode deliberadamente ter escolhido o ócio, e ter penhorado a sua vida pela tranquilidade presente; ou pode ter gerido erradamente a sua terra, e ter sido compelido a recorrer ao seu vizinho por comida e ajuda, empenhando o seu futuro trabalho por ela. Mas o que eu quero que o leitor perceba realmente, é o facto, comum a um largo número de casos deste tipo, que o estabelecimento da riqueza mercantil que consiste no direito sobre o trabalho, significa a diminuição política da riqueza real que consiste na posse substancial.

Outro Exemplo

tomemos outro exemplo, mais consistente com o decorrer normal dos negócios. Suponha que três homens, em vez de dois, formam uma república isolada, e sentem-se forçados a se separarem por forma a cultivarem diferentes áreas de terra a longas distâncias umas das outras ao longo da costa; cada estado realizará um tipo diferente de produção, e cada um precisará mais ou menos dos materiais produzidos pelos outros. Suponha que o terceiro homem, por forma a poupar o tempo dos outros três, encarrega-se simplesmente de supervisionar a transferencia de bens comuns de uma quinta para outra; na condição de receber uma remuneração suficiente na forma de quota de todas as parcelas transportadas, ou de qualquer outra parcela recebida em troca.

Se este transportador ou moço de recados, trouxer sempre de um estado para outro o que é primeiramente necessário, no momento certo, as operações dos outro dois agricultores seguirão prósperas, e o maior resultado possível na produção, ou riqueza, será atingido pela pequena comunidade. Mas suponha que nenhuma comunicação entre os proprietários rurais seja possível, excepto através do agente transportador; e após um certo período de tempo, este agente, vendo o decorrer da agricultura de cada homem, retém os artigos cuja a entrega lhe foi confiada, até um período de grande necessidade, quer dum lado quer doutro, e depois pede em troca tudo o que o desesperado agricultor pode dispor noutro tipo de produtos; é fácil de ver que através de uma observação sagaz das oportunidades, ele pode fazer posse regular da maior parte dos produtos em excesso vindos de ambos os estados, e por fim, depois de alguns anos de severa provação ou escassez, adquire ambas as terras, e manterá os anteriores proprietários com seus trabalhadores ou servos.

Isto seria um caso de riqueza comercial adquirido nos exactos princípios da economia política moderna. Mas mais significativo do que no primeiro exemplo, neste é evidente que a riqueza do Estado, ou dos três homens considerados como uma sociedade, é colectivamente menor do que aquela que se teria conseguido se o mercador se tivesse contentado com o saldo justo. As acções dos dois agricultores foram restringidas ao máximo; e as limitações ininterruptas do abastecimento de bens necessários nos momentos críticos, junto com a desmoralização para o trabalho, devido ao prolongamento de uma luta pela mera existência, sem qualquer sentimento de ganho, deve, ter diminuído seriamente os resultados do seu trabalho, e a quantidade de bens finalmente acumulados nas mãos do mercador não terão de forma alguma o valor daqueles conseguidos caso tivesse sido honesto, estes teriam dessa forma enchido imediatamente os armazéns dos agricultores e do próprio.

Riqueza Pessoal pode ser o Resultado do Bem ou do Mal

A grande questão, é portanto, respeitante não só a vantagem, mas do mesmo modo à quantidade, de riqueza nacional, resumindo-se finalmente a uma justiça abstracta. É impossível concluir, para qualquer quantidade de riqueza adquirida, se significa um mal ou um bem para a nação em que se insere, meramente pelo facto de sua existência. O seu valor real depende do valor moral que lhe é associado, tal como de certa forma uma quantidade matemática depende do sinal algébrico que lhe é associado. Qualquer acumulação de riqueza comercial pode ser consequência, por uma lado, de uma indústria justa, de novas fontes de energia, ou do engenho produtivo; ou, por outro lado, pode ser indicativo dum luxo mortal, duma tirania implacável, ou dum sofisma nocivo. Alguns tesouros estão carregados de lágrimas humanas, como uma doentia colheita atacada por uma chuvada prematura; e algum do ouro é mais brilhante à luz do sol do que o é em substância.

E note que estes não são meros atributos patéticos ou morais das riquezas, que o colector de riquezas, se assim o escolher, pode desprezar; eles são com certeza, atributos materiais das riquezas, que depreciam ou valorizam incalculavelmente, o valor monetário do montante em questão. Uma certa quantidade de dinheiro é o resultado de acções que o geraram, —um outro montante, de acções aniquiladas, —de valor igual a dez vezes tanto ao da reunião deste último; tais foram as fortes mãos paralisadas, como se tivessem sido entorpecidas por beladonas: tantas coragens desfeitas, tantas operações produtivas impedidas; estas e outras falsas direcções dadas ao trabalho, e uma falsa imagem de prosperidade estabelecida, representada nas planícies de Dura, cravadas com fornalhas sete vezes aquecidas. O que parece ser riqueza pode na verdade ser um indicativo dourado de uma extensa ruína; um punhado de moedas recolhido da praia por um mal intencionado rebocador retiradas do navio iludido; um grupo de acompanhantes de campo vestidos de trapos retirados das vestes de apresentáveis soldados mortos; campos de argila para venda, onde serão juntamente enterrados o cidadão e o estranho.

Compre Barato, Venda Caro

E portanto, a ideia de que diferentes direcções podem ser dadas no adquirir de riqueza, independentemente da consideração moral das suas fontes, ou que qualquer lei técnica ou geral de compra e ganho pode ser estabelecida como prática nacional, é talvez a mais insolentemente fútil de todas as que enganaram os homens pelos seus vícios. Até agora quanto sei, não há registo histórico de algo tão intelectualmente vergonhoso como a moderna ideia descrita pelo seguinte texto comercial, "Compra no mercado mais barato e vende no mais caro", e que não representa, ou sob qualquer circunstâncias pode representar, um princípio aceitável de economia nacional. Compre no mercado mais barato? — Sim; mas o que fez dele um mercado barato? O carvão pode ser barato por derivar de madeiras de telhado depois de um fogo, e tijolos podem ser baratos nas suas ruas depois que um terremoto; mas fogo e terremotos não podem ser benefícios nacionais. Venda no mais caro? — Sim, verdade; mas o que fez dele um mercado caro? Vendeu bem o seu pão hoje; foi a um homem moribundo que lhe deu a sua última moeda por ele, e nunca necessitará mais de pão, ou a um homem rico, que comprará a sua quinta às custas da sua cabeça; ou a um soldado a caminho do seu banco onde você depositou a sua fortuna para o saquear?

Nenhuma destas coisas poderá saber à partida. Apenas uma poderá: nomeadamente, se o seu negócio é justo e de confiança, que é tudo o que precisa de saber relativamente a ele; claro, ter feito a sua parte, levando por fim a um mundo onde não haverá pilhagens ou morte. E assim, toda a questão relativa a estes assuntos, difunde-se no fim, nas grandes questões da justiça (...)

Foi demostrado que o principal valor e virtude do dinheiro consiste no seu poder sobre os seres humanos; este, sem esse poder, torna grandes posses materiais inúteis, e para alguém possuidor de tal poder, comparativamente desnecessário. Mas o poder sobre seres humanos, é conseguido por outros meios que não o dinheiro. Como disse há algumas páginas atrás, o poder do dinheiro é sempre imperfeito e duvidoso; há muitas coisas que não podem ser alcançadas com ele. Muitas alegrias podem ser dadas aos homens que não podem ser compradas com ouro, e muitas fidelidades se podem encontrar que não podem ser recompensadas com ele.

Ouro Invisível

Suficientemente banal, — o leitor pensa. Sim: mas não é tão banal assim, — desejava que fosse, — neste poder moral, bastante inescrutável e imensurável que possa ser, há um valor monetário tão real como aquele representado por dinheiro bem mais concreto. A mão de um homem pode estar plena de ouro invisível, e a sua vaga, ou aperto, conseguirão mais que a de outro com um volumoso monte de ouro. Este ouro invisível, não necessariamente se diminui com o gasto. Economistas políticos farão bem em lhe tomar atenção um dia, embora não lhe possam tirar medidas.

Mas além disso. Desde que a essência de riqueza consiste na sua autoridade sobre os homens, se a sua riqueza aparente ou nominal desvanecer nesse poder, fracassará na sua essência; aliás, cessará de ser riqueza de todo. Ultimamente não tem parecido em Inglaterra, que a nossa autoridade sobre os homens seja absoluta(2). Os servos mostram alguma disposição em investir libertinamente para cima, sob a impressão de que os seus salários não são regularmente pagados. Devemos prever infortúnio a qualquer propriedade a cujo proprietário tal lhe tenha acontecido dia sim dia não na sua sala de visitas.

Assim, o poder da nossa riqueza parece limitado no que respeita ao conforto dos seus servos, não menos do que à sua quietude. As pessoas na cozinha aparecem mal vestidas, sórdidas, meio esfomeadas. Não se consegue deixar de pensar que as riquezas do Statu quo, devem ser de uma característica muito teórica e documental.

As Verdadeiras Raízes da Riqueza

Finalmente. Como a essência da riqueza consiste no seu poder sobre os homens, não se conclui que com o nobre e o crescente número de pessoas sobre os quais este poder cai, maior será a riqueza? Talvez possa parecer depois de alguma consideração, que são elas, as pessoas, a riqueza —que estes pedaços de ouro com os quais nós temos o hábito de os guiar, são, de facto, nada mais que um tipo de arreio ou armadilha bizantinos, muito resplandecentes e belos aos olhos de um bárbaro, com os quais nós freamos as criaturas; mas se estas mesmas criaturas podessem ser guiadas sem o incómodo e o tinir da bizantinice nas suas bocas e orelhas, talvez elas podessem ser mais valiosas do que os seus freios. Aliás, pode ser descoberto que as verdadeiras raízes da riqueza são vermelhas —e não de Pedra, mas de Carne —talvez o resultado final de toda a riqueza esteja na produção tanta quanto possível de criaturas alegres de olhos brilhantes, peitos cheios, e de corações felizes. A nossa riqueza moderna, penso eu, tem antes uma tendência no sentido oposto; —a maioria dos economistas políticos parecem considerar as multidões de criaturas humanas não conducente a riqueza, ou no melhor dos casos, conducentes a ela na forma de olhos sombrios e de peitos apertados.

Não obstante, está em aberto, repito, a questão séria, que deixo à ponderação do leitor, se, entre a indústria nacional, as Almas de boa qualidade, em última instancia, não podem dirigir uma outra bem mais lucrativa? Mais do que isso, num tempo distante e inimaginável, eu posso mesmo imaginar que a Inglaterra atirará todos os pensamentos possessivos de riqueza de volta às nações bárbaras de onde estes primeiramente surgiram; e isso, enquanto as areias do rio Indo e as pedras de Golconda, sobrecarregam os cestos do cavalo, ou cintilam no turbante do escravo, ela, como uma mãe cristã, pode por fim alcançar os tesouros e as virtudes de um comum Pagão, e ser capaz de levar adiante os seus Filhos, dizendo—

"Estas são as MINHAS Jóias."(3)


(1) The Roots Of Honour, John Ruskin - http://pt.wikipedia.org/wiki/John_Ruskin
(2)
Em 1857 dá-se a revolta dos Sipais - http://pt.wikipedia.org/wiki/Revolta_dos_sipais
(3)
Dito pela singela Cornélia sobre os seus filhos – Tibério Graco

sexta-feira, 12 de janeiro de 2007

Seremos Ricos?




A pergunta "seremos ricos?" é na minha opinião bastante interessante, visto por um lado haver tanta gente catalogada como tal, nos chamados países do 1.º mundo, e no entanto sabemos bem que muitas dessas pessoas vivem claramente na pobreza. Mas o meu objectivo não é o de meramente chamar a atenção à miséria mais evidente, é o de tentar perceber se não haverão pessoas com tudo para serem consideradas ricas, e no entanto sentirem-se apenas como um mero elemento produtivo numa economia incompreensível que acaba por pouco servir os interesses, mais ou menos legítimos, mas importantes na qualidade de vida dessas mesmas pessoas.

Violência, loucura, ilusão, inveja, maldade são termos muitas vezes usados para descrever a sociedade nos nossos dias, mas há que pelo menos tentar perceber o seu ponto comum, e procurar entender de uma forma lógica não apenas as suas causas como as suas virtudes. Na fotografia colocada neste primeiro post procuro salientar que antes de mais, o Homem é um animal, e que a sua inteligência, ou perspicácia nada mais são que aptidões que o permitem sobreviver e progredir no processo de selecção natural, como uma aranha, ou um qualquer outro animal sobrevivente e não extinto, ele está em perfeita sintonia, ou pelo menos à partida assim o estará em relação a um ambiente no qual as suas gerações passadas viveram.

Sabemos bem qual a fonte de uma religião, e a força que esta adquire através das dúvidas em relação a estes assuntos. Para que não percamos tempo a explicar o significado da vida, para onde vamos, e outras filosofias, socorro-me de uma resposta dada à pergunta “Porque existem pessoas?”(1) por parte de G. G. Simpson(2): “O que quero assinalar, é que todas as tentativas para se responder a esta questão antes de 1859 são inúteis e estaríamos melhor se as simplesmente ignorássemos”. Quero com isto dizer, que num mundo de alta tecnologia, são muitas as pessoas que continuam presas a um enorme conjunto de ideologias que em grande medida contribuem para uma significativa limitação na sua capacidade de viver e de deixar viver.

Existe um país, um mundo, onde prolifera um enorme ruído intelectual, e onde, a discrepância de conhecimento e de capacidades de raciocínio entre populações é enorme, o que faz como que eventos, como a guerra do Iraque e fundamentalismos de qualquer outra índole apenas encontrarem revolta por parte da população geral após a sua implementação, revelando-se por isso fraca a sua capacidade de previsão estratégica e de sentido crítico.

Mais do que já disse, penso fazer falta uma espécie de guia, de manifesto moderno, que previna a população de um conjunto de males que insistem em se repetir na história, sendo um deles a arte do sofisma bem ilustrado na designação “liberalismo económico”.

Não me restringirei apenas às questões político-económicas, e não procurarei retractar a população apenas como vítima, é por isso que logo no início chamei à atenção de ser-mos animais. Perderei tempo, e procurarei concentrar-me no crescimento do indivíduo, e na sua construção como pessoa e como elemento social, para o melhor e para o pior.


(1) Título do 1.º capítulo do livro “O Gene Egoísta” de Richard Dawkins - http://pt.wikipedia.org/wiki/O_gene_ego%C3%ADsta

(2) George Gaylord Simpson - http://pt.wikipedia.org/wiki/George_Gaylord_Simpson