sábado, 10 de fevereiro de 2007

Richard Dawkins – Uma Visão Exponencial – Parte 2/2

Continuação do texto Richard Dawkins – Uma Visão Exponencial – Parte 1.

O Rio que Saía do Éden. Capítulo 5 - A Bomba de Replicação (Dawkins - 1995)

A bomba de replicação que Dawkins refere no cabeçalho é a vida. Numa das minhas preferidas passagens de Dawkins, ele explica porque razão a humanidade é tão importante:

“Nós os seres humanos somos uma manifestação extremamente importante da bomba de replicação, porque é por nós - pelos nossos cérebros, pela nossa cultura simbólica e a pela nossa tecnologia - que a explosão pode prosseguir à próxima etapa e ecoar pelo espaço profundo.”

Para Dawkins, esta bomba de replicação, estimulada pela energia de nosso Sol, ajudará o nosso Sol “a tornar-se informação” de forma igualmente semelhante à das estrelas, como é dito, “a tornarem-se supernova”.

Dawkins continua, chamando a atenção que a nossa é a única bomba de replicação no universo, de que nós estamos cientes. Dawkins descreve a origem da bomba de replicação, que começou com o primeiro replicador há muitos biliões de anos atrás: “... O crescimento exponencial: quanto mais se tem, mais se obtém.”

Encontrei um argumento semelhante ao do “meme” de Dawkins, supernova, em “A Estrutura da Realidade” (no capítulo A Importância da Vida) por David Deutsch (1997), um contemporâneo de Dawkins na Universidade de Oxford. Deutsch, um físico, declara que “os Genes incorporam conhecimento nos seus nichos” e conclui que é a “sobrevivência do conhecimento” o atributo chave dos replicadores bem sucedidos.

Dawkins, que cunhou o termo “meme” no seu livro O Gene Egoísta, usa o exemplo de um cartão postal “correspondência em corrente” como uma forma de um replicador “meme”. As instruções para o cartão postal são:

“Faz seis cópias deste cartão e remete-os a seis amigos dentro de uma semana. Se o não fizeres, um feitiço cairá sobre ti e morrerás numa horrível agonia dentro de um mês.”

Dawkins supõe que em cada semana só um terço de todos os destinatários seguirá as instruções. Doravante, temos um índice semanal de replicação de 6, dos quais 4 morrem (supondo que 4 dos 6 destinatários destrói os seus cartões postais), havendo 2 sobreviventes para cada jogo de 6 cartões enviados. Cada destinatário de um cartão sobrevivente repete assim as instruções, criando dessa forma mais 2 cartões sobreviventes, e assim por diante. A “população” de cartões postais em circulação dobraria portanto a cada semana. Aliás, o mesmo seria verdadeiro se cada pessoa que recebesse tal cartão postal, enviasse dois iguais e todos eles sobrevivessem.

Dawkins salienta que, depois de 52 dobragens de população (um ano) haveria à volta de 4.000 triliões de cartões em circulação.

“Cartões postais suficientes para sufocar cada homem, mulher, e criança no mundo.”


Tabela 1. Utilizando a Nova Escala Malthusiana para demonstrar a replicação do “meme” via cartão postal
Nota: 1A-pop = 1024 pops, 1B-pop = 1024 A-pop, 1C-pop = 1024 B-pop, etc...


Depois das 52 semanas seriam 4 E-pops, o que representaria 4.503.599.627.370.496 (aproximadamente 4.500 triliões) cartões postais em circulação.


Imagem 1. Ilustração da replicação de cartões postais


Se clicar na imagem 1, verá o número de cartões postais em circulação (a verde) para as primeiras três semanas (2, 4 e 8). Assim, o número de cartões postais em circulação durante um semana corresponde claramente ao número de cartões dessa geração. Como Dawkins sugere, este número dobra a cada semana (como demonstrado na Tabela 1). Note que, não se espera, que os destinatários dos cartões postais de semanas anteriores, voltem a enviar cartões para além da sua primeira semana.

No entanto, os que enviaram os seus próprios 6 cartões postais, não estão sob nenhuma obrigação de destruir os cartões por eles recebidos. Assim, a população actual de cartões postais acumula de semana para semana. Começa-se com 2 cartões sobreviventes na primeira semana, sendo então adicionados 4 na segunda, totalizando 6, e posteriormente 8 mais serão adicionados, três semanas depois teremos uma população total de cartões igual a 14. Na semana quatro, seriam enviados 48 cartões postais (8 x 6), dos quais 32 seriam destruídos e 16 sobreviveriam. Doravante, esses 16 devem ser adicionados aos da semana três, de população igual a 14, resultando numa população total de 30 na semana quatro (14 + 16 = 30).

Uma Lei Universal da Biologia

No capítulo “Memes: os novos replicadores” Dawkins (1976) compara a biologia com a física:

“As leis de física são supostas ser verdade em todo o universo acessível. Haverá qualquer princípio na biologia que possa ter uma validade universal semelhante?”

E pergunta:

“...haverá aí qualquer princípio geral que seja válido para toda a vida?”

Dawkins declara que não sabe, mas está preparado para apostar o seu dinheiro no seguinte princípio fundamental:

“Esta é a lei pela qual toda a vida se desenvolve, pela sobrevivência diferencial das entidades replicadoras.”

Eu acredito que Dawkins está correcto, tal como Malthus quando escreveu (numa Visão Sumária, 1830) sobre as populações em termos mais matemáticos:

“A causa imediata do aumento da população é o excesso dos nascimentos acima das mortes; e o índice de aumento, ou o período de dobragem, depende da proporção do excesso de nascimentos relativamente às mortes que se estabelecem na população.”

Para completar o quadro, deve-se também referir a lei complementar (permutadas as frases de Malthus):

“A causa imediata da diminuição da população é o excesso das mortes acima dos nascimentos; e o índice de diminuição, ou o período de divisão para metade, depende da proporção do excesso das mortes relativamente aos nascimentos que se estabelecem na população.”

E mais uma vez de Uma Visão Sumária (1830), Malthus clarifica a sua ideia:

“Pode ser afirmado com segurança, portanto, que a população, quando aumenta de forma desenfreada, fá-lo numa progressão geométrica, de tal forma, que se dobra a cada vinte e cinco anos. Esta declaração, refere-se naturalmente ao resultado geral, e não a um passo intermédio da progressão. Na pratica, esta será umas vezes mais lenta, e outras mais rápida.”

Dawkins acredita que a molécula de ADN é a entidade replicadora prevalecente no planeta terra. No entanto, é possível mostrar matematicamente, que todas as populações de todos os replicadores (sim, ADN mas também bactérias, vírus, células, animais, plantas e fungos) aderem ao Princípio universal de Malthus sobre a População.

(...)

Talvez pensando no seu próprio conceito de “os genes egoístas” como “corrente de letras de ADN”, Dawkins faz a seguinte observação sobre a reprodução diferencial:

“Na competição por recursos, variantes do replicador podem surgir como mais eficientes na sua duplicação. Estes replicadores mais eficientes, tenderão a substituir seus rivais menos eficientes. É importante perceber que nenhuma destas entidades duplicadas o faz consciente ou interessadamente. Mas simplesmente acaba por acontecer, e o mundo torna-se cheio de replicadores mais eficientes.”

Dawkins conclui este capítulo com uma intrigante tentativa de definir os limites típicos pelos quais os replicadores passam pelo tempo geológico, desde o primeiro replicador à colonização de espaço. Uma vez a população de replicadores conclua a colonização do espaço, eu modelaria o progresso de tal civilização tecnológica nos termos dos níveis de Kardashev, como discutido em Drexler - Uma Visão Exponencial(1).

A Escalada do Monte Improvável. Capítulo 9 - O Robot Repetidor (Dawkins - 1996)

Replicadores e Populações

“É a natureza de um replicador gerar uma população de cópias de si próprio, e isso significa uma população de entidades que também se duplicam. Doravante a população tenderá a crescer exponencialmente até que seja limitada pela competição por recursos ou matérias-primas. Desenvolverei a ideia do crescimento exponencial de forma breve. Em resumo, a população dobra em intervalos regulares, em vez de adicionar um número constante a intervalos regulares. Isto significa que muito em breve haverá uma população muito grande de replicadores e consequentemente competição entre eles.”

A crença desse crescimento exponencial requerer uma taxa de crescimento constante, ou “a população dobrar a intervalos regulares”, é largamente sustentada. É num entanto uma falácia; um mito. Malthus foi um dos primeiros a tentar explicar o crescimento exponencial das populações, e pode ter começado esse mito. Malthus fez uso regular de taxas de crescimento constantes (através de dobragens regulares) nos seus exemplos, mas compreendeu também, claramente, que as taxas de crescimento variam (e ainda assim a população continuará a crescer exponencialmente). Estou seguro de que Dawkins está igualmente ciente disso, mas tive demasiados comentários sobre esta questão para a deixar passar em branco.

(...)

Replicação Celular

Ao discutir a antiga história evolutiva da célula eucariótica(2) de primitivas células bacterianas, Dawkins (1996) fornece um conjunto de exemplos de animais familiares formados por células eucariotas:

“Um rato é um edifício grande constituído por talvez um bilião de células. Um elefante é uma colónia de cerca de 1.000 triliões (1015) de células, e cada uma dessas células é ela própria uma colónia de bactérias.”

Ao longo de linhas semelhantes às doutros autores, Dawkins explica o poder do crescimento exponencial que se aplica dentro de cada indivíduo, pelo dobrar das suas células:

“... A forma especial de crescimento segundo a qual as coisas vivas seguem é o crescimento exponencial. Outro meio de o dizer é o de que coisas vivas crescem através de dobragens locais.

Começamos com uma única célula que é muito pequena. ...Talvez a propriedade mais notável que a célula tem é a capacidade de se dividir em duas células mais ou menos iguais a si. Sendo como a célula mãe, cada uma é capaz de se dividir em duas, formando quatro células. Cada uma das quatro, por sua vez, podem-se dobrar, fazendo oito, e assim por diante. Isto é crescimento exponencial, ou dobragem local.”

Aqui Dawkins (1996) usa a dobragem de papel como forma de explicar o poder extraordinário do crescimento exponencial:

“As pessoas que não estão acostumadas ao poder do crescimento exponencial surpreendem-se. Como prometido, perderei algum tempo nele, pois é importante. Há formas claras de o ilustrar. Se se dobrar um pedaço de papel uma vez, terá duas espessuras. Dobre-o novamente e terá quatro vezes a espessura inicial. Outra dobra e você terá um fardo de oito camadas de espessura. Mas suponha que a rigidez mecânica não seria um problema e que poderia ir dobrando sem parar, digamos cinquenta vezes. Quão espesso o fardo de papel seria então? A resposta é que seria tão espesso que ultrapassaria os limites da atmosfera terrestre e iria além da órbita de Marte.”

Voltando atrás, para a dobragem celular, Dawkins fornece uma explicação de quantas gerações de células levaria uma baleia azul para crescer:

“Da mesma forma, pela dobragem celular ao longo do desenvolvimento corporal, o número de células cresce muito rapidamente a níveis astronomicamente grandes. Uma baleia azul é feita de uns cem mil triliões (1017) de células. Mas, tal é o poder do crescimento exponencial, que só levaria cinquenta e sete gerações de células, sob condições ideais, para produzir tal monstruosidade. Por geração celular, eu quero dizer um dobramento. Lembre-se de que o número de células sobem da seguinte forma 1, 2, 4, 8, 16, 32, etc...”

Ainda bem que, ao contrário da maioria dos autores, que tenta usar uma visão geracional para explicar o crescimento exponencial, Dawkins responsavelmente evidencia um problema - não é realista usar as gerações de células para se explicar o crescimento exponencial, porque as células não são imortais:

“Este meio de calcular o número de gerações de células é na realidade não realista, porque só fornece uma figura reduzida. Supõe que, depois de cada geração de células, todas se fazem duplicar. ...Assim uma baleia azul consiste num número de linhagens de célula de comprimento diferente, construindo partes distintas da baleia. Algumas destas linhagens vão-se dividindo por mais do que as cinquenta e sete gerações de células. Outras param de se dividir antes das cinquenta e sete gerações de células.”

Assim, Dawkins (1996) explica que o seu guia naïve, a calcular quantas gerações de célula são exigidas para formar qualquer criatura, baseia-se no peso dessa:

“Um cálculo ingénuo sugere que tomaria um mínimo de quarenta e sete gerações de dobragem de células para formar um ser humano adulto e só aproximadamente dez vezes mais para fazer crescer uma baleia azul. Estas figuras estão certamente subestimadas, pelas razões que referi anteriormente.”

Dawkins está correcto ao chamar tais estimativas de ingénuas, se forem consideradas como gerações de células. No entanto, como Malthus nos ensinou há 200 anos atrás, o conceito da dobragem populacional por si só não é ingénuo. Aliás, o Modelo Malthusiano de Crescimento é o meio perfeito de modelar a dobragem da população de células (veja Células Replicadoras - Uma Visão Exponencial(3)). Além do mais, as estimativas ingénuas de Dawkins são-no unicamente porque este raciocinou tal como Darwin o fez – em termos de gerações. Se Dawkins pensasse como Malthus, veria que as suas estimativas ingénuas, estão clara e realmente próximas das estimativas genuínas da dobragem populacional:


Tabela 2. Dobragem ingénua de Gerações de células equacionadas pela dobragem Malthusiana da população
Nota: 1A-pop = 1024 pops, 1B-pop = 1024 A-pop, 1C-pop = 1024 B-pop, etc...

A Tabela 3 abaixo explica as entradas assinaladas a vermelho na Tabela 2 acima:


Tabela 3. Criaturas do exemplo de Dawkins recorrendo à replicação celular

A Unidade de Selecção

Em “O Fenótipo Estendido” (1982) Dawkins expressa claramente o seu desprezo pela ideia das populações como a unidade de selecção para a Selecção Natural:

“As populações podem durar um longo período, mas estas misturam-se constantemente com outras e perdem então a sua identidade. Estão também sujeitas à interna mudança evolutiva. A população não é uma entidade suficientemente discreta para ser uma unidade de selecção natural, não é suficientemente estável nem unitária para ser seleccionada em detrimento doutra.”

(...)

Nanotecnologia Molecular (MNT)

Dawkins aborda resumidamente o campo emergente da MNT(4), dizendo “A Nanotecnologia parece-nos muito estranha, pouco credível”. Ele conclui correctamente que o poder chave da MNT sobre os actuais métodos de construção seriam o da “multiplicação exponencial”. Sublinhando, esta poder dar em nada, ele conclui que esta “nova” tecnologia é na verdade muito “velha”, e tem vindo a ser usada pela vida (por genes) eternamente.

Interessantemente, a lei universal da biologia que Dawkins declarou em “O Rio que Saía do Éden” também se aplica a montadores e replicadores de MNT quando estes forem inventados. Será que isso fará deles seres vivos?

(...)

(1) – http://members.optusnet.com.au/exponentialist/Drexler.htm
(2) – http://pt.wikipedia.org/wiki/C%C3%A9lulas_eucari%C3%B3ticas
(3) – http://members.optusnet.com.au/exponentialist/Cells.htm
(4) – http://pt.wikipedia.org/wiki/Nanotecnologia

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