domingo, 4 de fevereiro de 2007

Richard Dawkins – Uma Visão Exponencial – Parte 1

Através do texto “Richard Dawkins – Uma Visão Exponencial”(1), tentarei mostrar o que está por trás da pergunta “Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras dez semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?”(2).

Introdução

Dawkins é um caso raro. Por um lado, ele não menciona Malthus(3) uma única vez, em qualquer dos seus livros. Por outro, Dawkins é um dos melhores representantes do Princípio Matemático da População explicado por Malthus entre 1798 e 1830. Para aqueles, com livros de Dawkins, os capítulos chave são Planeamento Familiar (Capítulo 7) de “O Gene Egoísta”, A Bomba Replicadora (Capítulo 5) de “Rio que Saía do Éden”, e O Robot Repetidor (Capítulo 9) de “A Escalada do Monte Improvável”. Neste artigo também recorro a um par de citações de “O Fenótipo Estendido”.

O Princípio da População de Malthus, é geralmente referido em termos de uma população de crescimento exponencial que esgota as suas fontes de alimentação. Populações excessivamente bem sucedidas, são finalmente postas em cheque pelos limites de crescimento de Malthus. Todas as populações são guiadas, pelo seu crescimento exponencial, para uma luta pela sobrevivência de onde só a “crise” emergirá. O crescimento populacional é constantemente controlado pelos Quatro Cavaleiros do Apocalipse, Guerra, Fome, Pestilência e Morte. Em termos Malthusianos estes são todos referidos como “reveses positivos” da população. Malthus, na segunda edição da sua dissertação, adicionou a “restrição moral” como uma alternativa mais humana. Veja-se Malthus - Uma Visão Exponencial(4).

Em “O Fenótipo Estendido” Dawkins (1982) destingue entre replicadores e veículos para replicadores (tal como ratos, seres humanos, elefantes e árvores):

“Genes são replicadores; organismos e grupos de organismos não são considerados como replicadores; são veículos em que os replicadores viajam. A selecção de Replicadores é o processo pelo qual alguns replicadores sobrevivem às custas de outros replicadores. A seleção de veículos é o processo pelo qual alguns veículos são mais bem sucedidos que outros no assegurar da sobrevivência dos seus replicadores.”

Gostaria de deixar claro ao leitor, que dum ponto de vista exponencial, não há nenhuma necessidade de distinção entre replicadores e seus veículos. O mesmo Modelo de Crescimento de Couttsian(5) aplica-se a ambos, e assim o uso do termo “replicador” como sinónimo de ambos. Talvez o replicador exponencial possa ser visto como um “povoador”, embora pessoalmente, pense que o termo “replicador” se adeqúe perfeitamente bem.

Eu também devo explicar que não tenho qualquer problema com a distinção de Dawkins no que diz respeito à Seleção Natural, para Dawkins trata-se da origem das espécies(6). No entanto, se tomarmos uma visão exponencial, então o foco está na origem das populações e não na origem das espécies. Espero que a minha abordagem exponencial explique a origem das populações.

Dawkins (1982) fornece uma definição ampla dum replicador:

“Defino um replicador como algo no universo de que são feitas cópias. Os exemplos são, uma molécula de ADN, e uma folha de papel que é fotocopiada. Replicadores podem ser classificados de duas formas. Podem ser ‘passivos’ ou ‘activos’, e seguindo esta classificação, podem ser replicadores ‘reprodutivos’ ou ‘de beco sem saída’.”

Dum ponto de vista exponencial, é suficiente dizer-se que uma população de replicadores dará origem a cópias desses mesmos replicadores. Isto leva à definição exponencial dum replicador:

“Qualquer coisa no universo que é, individual ou agregadamente, capaz de causar um evento replicativo”

Reprodutores

“A Ideia Perigosa de Darwin” por Daniel C. Dennett(7) (1995) é descrito por Dawkins como “um livro insuperavelmente brilhante”. Nele, Dennett declara a dissertação de Malthus sobre a população, como “a ideia principal” entre as ideias anteriores que levaram Darwin à sua teoria da selecção natural. Dennett relembra Malthus, o crescimento exponencial de qualquer população, leva inevitavelmente a uma rotura, no momento em que se excederem os recursos disponíveis. Dennett continua:

“Foi Malthus que salientou a inevitabilidade matemática de tal rotura em qualquer população de reprodutores a longo prazo - pessoas, animais, plantas (ou, no que diz respeito, máquinas de clonagem de marcianos, embora tais fantasias não fossem discutidas por Malthus).”

Exibindo um entendimento claro de Malthus, Dennett conclui:

“Então a situação normal para qualquer tipo de reprodutores é aquela em que uma maior descendência é produzida que aquela que se reproduzirá no futuro. Por outras palavras, é sempre tempo de rotura.”

É o uso do termo “reprodutores” por Dennett que me interessa. O problema, é que os vírus não se reproduzem, mas mesmo assim, aplica-se o Modelo de Crescimento de Couttsian a populações virais. Também, uma hipotética máquinas de clonagem de marcianos (ou qualquer máquina de von Neumann(8)) seria melhor descrita como um replicador do que um reprodutor.

Assim, acredito ser melhor adoptar a terminologia de Dawkins, e usar o termo “replicador”, em vez de “reprodutor”, e “índice de replicação” em vez de “natalidade”. Veja Replicação Viral - Uma Visão Exponencial(9).

Os Primeiros Replicadores

Na discussão sobre os primeiros replicadores (capítulo 2, “Os Replicadores” de “O Gene Egoísta” 1976, 1989), Dawkins escreve:

Então parece ter-mos chegado a uma grande população de réplicas idênticas. Mas agora, devemos mencionar uma propriedade importante de qualquer processo de cópia: não é perfeito.

Ele continua, usando a analogia com o processo de fotocópia, que tem uma longa história de más cópias. Escreve:

“Nós não sabemos quão exactas são as cópias feitas pelo replicador original. Os seus descendentes modernos, as moléculas de ADN, são surpreendentemente fieis comparadas com o mais sofisticado processo de cópia alguma vez inventado pelo ser humano, mas mesmo estes (replicadores), cometem ocasionalmente erros, e são esses erros que tornam a evolução possível.”

Nas minhas leituras relativas à evolução, costumo entrar no debate relativo ao “nível” (espécie, grupo, indivíduo, gene) a que a evolução trabalha. Algumas pessoas pensam que eles são exclusivos, outras pensam que não. Dos que pensam que não, argumentam então sobre se são concorrentes, hierárquicos, etc... De uma perspectiva exponencial, que pode ser melhor descrita como uma visão Malthusiana e Darwinista, a evolução trabalha ao nível das populações de replicadores.

Em ‘O Gene Egoísta’ (1976, 1989), Dawkins diz que “...a unidade fundamental da selecção não é a espécie, nem o grupo, nem estritamente o indivíduo. É o gene...”

Dawkins refere-se assim a todos os animais, plantas e bactérias como “máquinas de sobrevivência”. Assumindo uma visão simplificada da evolução, e da Seleção Natural em particular, eu acredito que Dawkins está certo. No entanto, de uma perspectiva Malthusiana, acredito que é válido dizer-se que todos os animais, plantas, fungos, bactérias e vírus são replicadores. Tal como o são as moléculas de ADN, células e os muito antecipados replicadores do mundo de nanotecnologia molecular(10). Mesmo formas artificiais/virtuais de vida, são replicadores.

A minha esperança para este artigo é a de que, a visão exponencial demonstrará a natureza unificadora do princípio Malthusiano da população, ao campo da biologia e ao da evolução em particular. Relembrando que a visão exponencial não diz respeito à origem das espécies, em vez disso centra-se no princípio de replicação diferencial, aplicado a todas as populações de replicadores. Assim, ignorando a Selecção Natural (e Selecção Artificial(11)) o princípio da Selecção Malthusiana é revelado. Abordarei este tema mais detalhadamente um pouco mais tarde.

O Gene Egoísta. Capítulo 7 – Planeamento Familiar. (Dawkins - 1976, 1989)

Aqui, Dawkins fornece uma excelente explicação Malthusiana sobre o crescimento da população. Ele opta igualmente pela dispensa dos factores relativos à imigração e emigração, usando para isso a população humana da Terra como um exemplo de uma população para a qual se necessita de considerar apenas a natalidade e a mortalidade:

“A humanidade está a ter crianças demais. O tamanho de população depende de quatro factores: nascimentos, mortes, imigrações e emigrações. Tomando a população mundial como um todo, imigrações e emigrações não ocorrem, e somos deixados com nascimentos e mortes. Enquanto o número médio de crianças por casal for maior do que dois futuros reprodutores, o número de bebés nascidos tenderá a aumentar ao longo dos anos a uma taxa cada vez mais acelerada. Em cada geração da população, em vez de subir numa quantia fixa, aumentara proporcionalmente ao tamanho alcançado. À medida que este tamanho populacional vai aumentando, o tamanho do incremento aumenta também. Se este tipo de crescimento não for impedido, uma população alcançará proporções astronómicas duma forma surpreendentemente rápida.”

É uma pena que Dawkins não tenha estendido a sua explicação para mostrar como os índices de replicação e mortalidade levam a um crescimento exponencial, preferindo, como fez, usar o argumento moderno do índice de substituição demográfico.

Dawkins continua então por salientar correctamente, numa linha semelhante a Malthus a “restrição moral”, de que a reprodução adiada ao longo das gerações seriam tão eficaz quanto o slogan de hoje “Pare aos Dois” dos protagonistas do Crescimento Zero da População:

“A propósito, o que às vezes não é compreendido mesmo pelas pessoas que se preocupam com os problemas da população, é desse crescimento depender tanto de quantas crianças as pessoas têm, como de quando as têm. Como as populações tendem a aumentar numa certa proporção por geração, segue que se se espaçar mais as gerações, a população crescerá por ano a uma velocidade mais lenta. Os slogans que dizem ‘Pare aos Dois’ poderiam de forma igualmente boa ser mudados papa ‘Começar aos Trinta’! Mas, em todo o caso, o crescimento acelerado da população incute sérios problemas.”

Dawkins prossegue, dando um exemplo concreto sobre a população da América Latina:

Por exemplo, a presente população da América Latina anda à volta de 300 milhões, e já muita dessa está subnutrida. Mas se a população continuasse a aumentar à presente taxa, levaria menos que 500 anos para alcançar a situação, onde as pessoas, empacotadas de pé, formariam um sólido tapete sobre a área inteira do continente. Assim seria, mesmo que assumisse-mos que fossem muito magras - uma suposição não muito irreal. Dentro de 1.000 anos eles estariam em cima dos ombros duns dos outros, em mais de um milhão em altura. Por volta dos 2.000 anos, a montanha de pessoas, viajando à velocidade de luz, teria alcançado os limites do universo conhecido.


Tabela 1. Projecção irreal da população humana dobrando (todos os 40 anos), América Latina
Nota: 1A-pop = 1024 pops, 1B-pop = 1024 A-pop, 1C-pop = 1024 B-pop, etc...

Suponha-mos uma população a dobrar constantemente num período de 40 anos (um crescimento anual de aproximadamente 1,75%, o que estava correcto em 1989 altura em que Dawkins escreveu). Usando a minha Nova Escala Malthusiana(12) poderá ver que cada linha corresponde a 10 dobros de população. Assim, cada linha representa 400 anos de população a dobrar. Portanto, entre 12 dobros e 13 dobros mais tarde (480 e 520 anos respectivamente) os 286 B-pops (300 milhões de pessoas) teriam dobrado para uma população entre 1 D-pops e 2 D-pops. Depois dos 2.000 anos de dobramento, os 286 B-pops teriam dobrado a 286 G-pops (337.649.203.525.179.632.779.264 pessoas).

Aqui, Dawkins tem a vantagem da retrospectiva sobre Malthus, e pode ver que os avanços médicos podem estimular o crescimento exponencial das populações humanas, tal como um aumento de alimentação disponível:

“Não lhe terá escapado que isto é um cálculo hipotético! Realmente não acontecerá, por algumas práticas e muito boas razões. Os nomes de algumas dessas razões são: fome, pragas, e guerras; ou, se tivermos sorte, controlo de natalidade. É inútil apelar ao avanço da ciência agrícola – ‘revoluções verdes’ e afins. Aumentos na produção de alimento podem temporariamente aliviar o problema, mas é matematicamente certo, de que eles não serão a solução a longo prazo; de facto, tal como os avanços médicos precipitaram a crise, eles podem mesmo tornar o problema pior, acelerando o índice de expansão da população. É uma verdade logicamente simples, de que, na ausência de emigração em massa para o espaço, em foguetes descolados à razão de vários milhões por segundo, a natalidade incontrolada está condenada a um aumento horrível das taxas de mortalidade. É difícil acreditar, que esta simples verdade não seja entendida por esses líderes que proíbem os seus seguidores de usarem métodos anticoncepcionais eficazes. Eles expressam uma preferência pelos métodos ‘naturais’ de limitação da população, e um método natural é exactamente o que terão. Chama-se fome.

Mas naturalmente, o desconforto que tais cálculos a longo prazo despertam, é baseado no interesse pelo bem estar futuro da nossa espécie como um todo. Os seres humanos (alguns deles) têm a previsão ciente para ver adiante as consequências desastrosas de uma população excedentária.”

Foi Malthus que, escrevendo entre 1798 e 1830, forneceu a certeza matemática a que Dawkins recorre. Dawkins é bastante correcto ao rejeitar a emigração em massa para o espaço através de foguetes como meio de evitar o inevitável (embora a possibilidade de um ou mais elevadores espaciais poderem aliviar o problema ligeiramente). É também correcto ao criticar os que se opõem às medidas anticoncepcionais - aqui Dawkins podia ter incluído Malthus. No entanto, Dawkins e Malthus estão em pleno acordo de a fome ser o carrasco final. Como Malthus escreveu na sua primeira edição de “Um Ensaio sobre O Princípio da População” (1798):

“O poder da população é tão superior ao poder do planeta terra na produção de subsistência para o homem, que a morte prematura deve de alguma forma visitar a raça humana. Os vícios da humanidade são ministros activos e capazes do despovoamento. Eles são os precursores dos grandes exércitos da destruição; e frequentemente terminam por si próprios o seu trabalho terrível. Mas fracassarão nesta guerra de extermínio, de estações doentias, epidemias, pestilência, e pragas, avançando numa impressionante frente, varrendo ao milhares e dezenas de milhares. O seu sucesso será incompleto, pois a fome, manterá inevitavelmente o seu papel do fundo, e com um golpe poderoso nivelará a população com o alimento mundial.”

(...)

O Gene Egoísta (1976, 1989 - resumido)

Dawkins discute então a resposta do mundo natural ao crescimento exponencial, e cita o exemplo do lince canadiano cuja população tem estado historicamente num estado de equilíbrio dinâmico:

“... é um facto óbvio de que as populações selvagens de animais permanecem bastante estáveis, com natalidades e mortalidades próximas uma da outra. Em muitos casos, os roedores são um exemplo famoso, onde a população flutua descontroladamente, com explosões violentas alternadas com quebras e quase extinção. Ocasionalmente o resultado é a extinção total, pelo menos numa população localizada. Às vezes, como no caso do lince canadiano - onde estimativas são obtidas dos números de peles vendidas pela Companhia da Baía do Hudson em anos sucessivos - a população parece oscilar ritmicamente. A única coisa que as populações animais não fazem é aumentar indefinidamente.”

Embora Dawkins esteja correcto ao dizer que as populações animais (ou, de facto, qualquer população) não “aumentam indefinidamente”, é também verdade que todas as populações aproveitam cada oportunidade para o fazer. Essa é a natureza de qualquer espécie de replicador. São apenas as acções de controlo dos revés Malthusianos na população que contêm a população de linces. Com o crescimento da população de linces, estas agem então como um revés Malthusiano (Morte, um dos Quatro Cavaleiros do Apocalipse) sobre várias populações de presas, cujos números então caem. Isto resulta em fome (outro dos Quatro Cavaleiros) reduzindo por sua vez a população de linces, cujos números então declinam. Uma queda na população de linces reduz os reveses nas populações de presas, cujos números sobem, e o ciclo inteiro recomeça outra vez.

No entanto, a questão central é a de essa remoção do reveses numa população, encorajar tipicamente o crescimento exponencial dessa mesma população (ou, na pior da hipóteses, diminuir o seu crescimento negativo). Como Darwin o expressa na Origem das Espécie (1859):

“Assim, podemos confiantemente afirmar, que todas as plantas e animais tendem a aumentar a sua população numa proporção geométrica, que acabarão da forma mais rápida por ocupar todo o lugar em que podem de alguma forma existir, e que essa tendência geométrica é controlada pela destruição nalgum período de vida.”

Dawkins salienta correctamente que a humanidade atingiu um estado artificial, em que muitos de nós morre simplesmente de velhice:

“Os animais selvagens quase nunca morrem de velhice: fome, doença, ou predadores alcançam-nos muito antes de eles se tornarem senis. Até há pouco tempo, isto era verdade também para o homem.”

(a continuar)


(1) – Traduzido de http://members.optusnet.com.au/exponentialist/Dawkins.htm
(2) – Pergunta do referendo de 11 de Fevereiro de 2007 sobre a IVG (Portugal)
(3) – Thomas Robert Malthus, http://pt.wikipedia.org/wiki/Thomas_Malthus
(4) – http://members.optusnet.com.au/exponentialist/Malthus.htm
(5) – http://academia.wikia.com/wiki/Couttsian_Growth_Model
(6) – http://pt.wikipedia.org/wiki/Esp%C3%A9cie
(7) – Daniel Dennett, http://en.wikipedia.org/wiki/Daniel_Dennett
(8) – John von Neumann, http://pt.wikipedia.org/wiki/John_von_Neumann
(9) – http://members.optusnet.com.au/exponentialist/Virus.htm
(10) – http://en.wikipedia.org/wiki/Molecular_nanotechnology
(11) – http://en.wikipedia.org/wiki/Artificial_selection
(12) – http://members.optusnet.com.au/exponentialist/MalthusScale.htm

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