segunda-feira, 5 de março de 2007

Bons Rapazes Terminam em Primeiro – Parte 4/4

Continuação do texto Bons Rapazes Terminam em Primeiro – Parte 3(1).

Blood Is Thicker Than Water(2)

O texto original (presente na Internet) traduzido nos Posts anteriores está incompleto e termina com a parte 3 desta série. A presente e última parte, pretende completar o capítulo de forma ligeira mas elucidativa, evidenciando pontos não presentes anteriormente.

Richar Dawkins, deu uma boa razão pela qual Tit for Tat através de pequenos aglomerados conseguiria ultrapassar o referido limiar, e tornar-se numa EEE mesmo que no início o Deserta Sempre o fosse. No parágrafo que se segue Dawkins resume essa capacidade decisiva.

“Voltando atrás ao nosso limiar, Tit for Tat pode superá-lo. Tudo o que é necessário, é um pequeno aglomerado local, de uma espécie que tenderá naturalmente a elevar-se no conjunto da população. Tit for Tat tem um dom embutido, em que mesmo nas situações em que esta é rara, a permite ultrapassar o limiar para o seu lado. É como se houvesse uma passagem secreta por baixo desse limiar. Mas essa passagem contem uma válvula de sentido único: existe uma assimetria. Ao contrário de Tit for Tat, Deserta Sempre, embora uma verdadeira EEE, não pode usar a aglomeração como uma forma de ultrapassar o limiar. Pelo contrário. Aglomerados locais constituídos por indivíduos Deserta Sempre, longe de prosperarem pela presença duns dos outros, fazem especialmente mal nessa mesma presença. Longe de se ajudarem mutuamente, às custas do banqueiro, estes prejudicam-se constantemente. Deserta Sempre, assim, ao contrário de Tit for Tat, não tira qualquer vantagem de parentesco ou viscosidade da população.”

Esta capacidade irreversível, cuja sua base se encontra na capacidade de formação de grupos, revela que, apesar de na opinião de Dawkins a unidade de selecção natural ser o gene, esta selecção não se restringe a isso. Poderá haver uma unidade base, mas o corpo sobrevivente como um todo é de definição e empacotamento muito difícil. Aliás, no Capítulo 13(3), Dawkins dá exemplos de organismos cujos seu genes de forma indirecta afectam o fenótipo de outros. Indo até mais longe, falando de genes que de forma indirecta modelam pedras, na sua forma e tamanho, obviamente através de organismos.

O que interessa destacar, são as várias formas de funcionamento do ambiente, e perceber que as regras nele existentes, fazem com que a selecção natural, mais não seja do que a forma óptima de ajuste a essas mesmas regras. Na realidade, um organismo, ou um gene, nada mais é, do que um elemento limitado por um túnel na direcção da concretização efectiva a que se destina. Isto é, Deserta Sempre, tal como Tit for Tat têm com certeza objectivos iguais, recolher, ou ter o máximo de descendência, o problema está quanto à forma de os alcançar, em que a do Deserta Sempre simplesmente não segue tal túnel.

Além da definição de ‘amável’, Dawkins introduz o conceito de inveja:

“Introduzo agora outro termo técnico de Axelrod. Tit for Tat é também ‘não invejosa’. Ser-se invejoso, na terminologia de Axelrod, significa rivalizar por mais dinheiro que o do outro jogador, em vez de uma larga quantia do dinheiro do banqueiro. Ser-se não invejoso significa estar-se feliz pelo outro jogador conseguir exactamente o mesmo dinheiro que nós, desde que ambos ganhemos mais do banqueiro. Na realidade Tit for Tat nunca ‘ganha’ o jogo. Pense acerca disso e verá que este não poderá colectar mais que o seu ‘oponente’ em qualquer dos jogos, porque nunca deserta excepto para retaliar. O máximo que poderá conseguir será um empate com o seu oponente. Mas alcança cada empate com uma pontuação partilhada bastante alta.”

A cooperação ou não, depende do tipo de jogo que se disputa, por exemplo, como no caso do dilema do prisioneiro, se este é iterado ou não. Para tornar clara esta distinção, Dawkins explica o conceito de jogo de ‘soma nula’ e de ‘soma não nula’.

“(...) Teóricos de jogos, dividem-nos em dois tipos, ‘soma nula’ e ‘soma não nula’. Um jogo de soma nula é aquele em que a vitória de uma jogador é a derrota de outro. Xadrez é um jogo de soma nula, porque o objectivo de cada jogador é ganhar, e isto significa fazer o outro perder. O Dilema do Prisioneiro, no entanto, é um jogo de soma não nula. Existe um banqueiro, que paga aos jogadores, onde é possível para os dois darem as mão e caminhar rindo na direcção do banco.”

O jogo ou a situação de disputa, não se define de uma forma rígida como sendo ou não de soma nula. Dawkins dá o exemplo do divórcio entre casais, em que existe todo o interesse em haver cooperação (jogo de soma não nula) e que pode tê-la, transformado num jogo de soma nula, pelo sistema judicial inglês e americano.

“Considere o divórcio. Um bom casamento é obviamente um jogo de soma não nula, cheio de cooperação mútua. Mas mesmo quando termina, são muitas as razões pelas quais o casal pode beneficiar da cooperação continuada, e tratar igualmente o seu divórcio como um jogo de soma não nula. Como se o bem estar dos filhos não fosse razão suficiente, os honorários dos dois advogados farão uma rude mossa nas finanças familiares. Assim, obviamente, um casal civilizado e sensível começa conjuntamente por procurar um advogado, não é?

Bem, na realidade não. Pelo menos na Inglaterra, e, até recentemente, em todos os 50 estados dos EUA, a lei, ou mais estritamente – e significativamente – o próprio código dos advogados, não permito fazê-lo. Os advogados só podem aceitar um membro do casal como cliente. A outra pessoa é deixada na porta, e, não terá aconselhamento judicial ou será forçado a consultar outro advogado. E aqui é que a diversão começa. Separados, mas a uma só voz, ambos os advogados começam imediatamente a referenciar-se como ‘nós’ e ‘eles’. ‘Nós’, compreenderá, não significa eu e a minha mulher; significa eu e o meu advogado contra ela e o seu advogado. Quando o caso chega a tribunal, estará catalogado como ‘Smith vs. Smith’! É assumido tratar-se dum caso conflituoso, quer o casal o sinta como tal ou não, e possam ou não, ter acordado em ser especificamente amigáveis e sensíveis. E quem beneficia em trata-lo como uma rixa do tipo ‘ Eu ganho, tu perdes’? As chances são, de que apenas os advogados.”

Dawkins revela que poderá haver, apesar de tudo, alguma utilidade na inveja, ou melhor, que existem algumas dúvidas nesta matéria.

“E acerca de outros jogos na vida humana? Quais são os de soma nula e quais de soma não nula? E – porque não são a mesma coisa – quais os aspectos da vida vemos como somas nulas ou não nulas? Que aspectos da vida humana alimentam a ‘inveja’, e quais alimentam a cooperação contra o ‘banqueiro’? Pense, por exemplo, acerca do contrato salarial e nos seus ‘diferenciais’. Quando negociamos os nossos aumentos, seremos motivados pela ‘inveja’, ou cooperamos por forma a maximizar o nosso real rendimento? Assumimos, na vida real com nas experiências psicológicas, de que estamos a jogar um jogo de soma nula quando não estamos? Coloco simplesmente estas perguntas difíceis. A sua resposta está para além do âmbito deste livro.”

Há outro exemplo no mesmo capítulo de transição de um jogo de soma nula para soma não nula, trata-se dum jogo de futebol. Não é um exemplo muito interessante, basicamente descreve um conjunto de 3 equipas, em que uma delas irá descer de divisão. O jogo decorreu no dia 18 de Maio de 1977, e as equipas eram Sunderland, Bristol e Coventry, onde as duas últimas jogavam entre si com um desfasamento ligeiro entre jogos. A mural da história resume-se, às duas últimas equipas deixarem de jogar de uma forma normalmente competitiva, para passarem a jogar “na defensiva” e de forma amistosa, após conhecimento da derrota e descida de divisão da primeira. No entanto, termina o exemplo das equipas de futebol, com o seguinte:

“Desportos de espectadores como o futebol, são normalmente jogos de soma nula por uma boa razão. É mais excitante para as multidões, verem os jogadores a lutar de forma extrema uns contra os outros, do que vê-los a conviver amigavelmente. Mas a vida real, humana, vegetal e animal, não foi criada para benefício de espectadores. Muitas situações na vida real são, de facto, equivalentes a jogos de soma não nula. A natureza normalmente faz o papel de ‘banqueiro’, e os indivíduos podem assim beneficiar do sucesso alheio. Não têm de derrubar os rivais por forma a se beneficiarem. Sem nos afastar-mos das leis fundamentais do gene egoísta, podemos ver como a cooperação e a assistência mútua pode florescer mesmo num mundo basicamente egoísta. Podemos ver como, no significado de Axelrod do termo, bons rapazes terminam em primeiro.”

Um factor muito importante destes jogos, é que sejam iterados, como já foi tornado evidente anteriormente. Mas Axelrod chama a atenção para que estes tenham um fim desconhecido. Ou seja, uma longa ‘sombra no seu futuro’. Essencialmente, nestes jogos os jogadores não poderão ter conhecimento de quando irão terminar. Porque se o souberem, a última ronda será um jogo do dilema do prisioneiro não iterado, cujo desfecho será, como anteriormente evidenciado(4), DESERTA por parte de ambos os jogadores. Como consequência, deixa de haver necessidade de cooperação na penúltima ronda, e ambos os jogadores jogarão DESERTA de forma igualmente racional. E, de forma recursiva, todas as rondas terão como jogada previsível e racional DESERTA, tornando-se assim evidente a razão pela qual, é importante ser desconhecido o momento em que o jogo acaba.

De seguida, Dawkins dá uma excelente visão da continuidade entre jogos do tipo do Dilema do Prisioneiro Iterado e Não Iterado.

“A distinção dos matemáticos entre o jogo de ronda única do Dilema do Prisioneiro e a do Iterado é demasiado simples. Espera-se que cada jogador se comporte, como se possuísse um conhecimento continuamente estimado e actualizado, da duração total do jogo. Quanto mais longa for a sua estimativa quanto à duração do jogo, mais de acordo com a expectativa dos matemáticos de um verdadeiro jogo iterado ele irá jogar: por outras palavras, irá ser, mais amável, mais clemente e menos invejoso. Quanto menos longa for a sua estimativa quanto à duração do jogo, mais inclinado irá estar para jogar segundo a expectativa dos matemáticos de um verdadeiro jogo de ronda única: mais maldoso, e menos clemente.”

A noção do tempo de duração do jogo ou a falta dela, é abordada com um exemplo histórico. Este exemplo, remete-nos para a primeira guerra mundial, onde se desenvolveu um sistema chamado de “live and let live”(5). Este sistema, prosperou na linha da frente de batalha durante pelo menos dois anos, com início em 1914. Nele, o inimigo circulava com grande à vontade ao alcance do fogo das armas do seu próprio inimigo.

“No estado de guerra de trincheiras desses tempos, a sombra do futuro para cada pelotão era longa. Isto é o mesmo que dizer, cada grupo de soldados britânicos entrincheirados, podia esperar estar frente a frente com o mesmo grupo de soldados alemães por muitos meses. Mais, o soldado ordinário nunca sabia quando, ou se alguma vez, iria ser deslocado; ordens militares eram notoriamente arbitrárias, caprichosas e incompreensíveis para quem as recebia. A sombra do futuro era suficientemente longa, e suficientemente indeterminável, para iniciar o desenvolvimento da cooperação do tipo Tit for Tat. Da forma como foi providenciada, a situação era equivalente ao jogo do Dilema do Prisioneiro.

(...)

Cooperação mútua era indesejável do ponto de vista dos generais, porque não os estava a ajudar a ganhar a guerra. Mas era muito desejada do ponto de vista dos soldados de ambos os lados.”

Além da indeterminação do fim do jogo, a capacidade de retaliação é outro dos ingredientes essenciais, para que não hajam “deserções” e o jogo decorra de forma amigável.

“É importante, para qualquer membro da família de estratégias Tit for Tat, que os jogadores sejam punidos pelas deserções. A ameaça de retaliação deve estar sempre presente. Exibições de capacidade de retaliação eram evidenciadas no sistema live and let live. Tiros estrondosos de ambos os lados, mostravam a sua capacidade de fogo, não contra inimigos, mas alvos inanimados perto deles, uma técnica usada igualmente nos filmes do Far West (como o tiro a chamas de velas).”

No fim do capítulo, o caso dos morcegos vampiros é abordado, por forma a realçar a cooperação não parental. Basicamente, os morcegos partem todas as noites à procura de sangue para se alimentarem. No entanto essa tarefa não é fácil, e são muitos os indivíduos que acabam sem a tão desejada refeição. Por outro lado aqueles que conseguem, conseguem-no normalmente em grandes quantidades. Estes morcegos têm a capacidade de partilhar o sangue que possuem, regurgitando-o.

“Wilkinson averiguou o grau de perda de peso dos morcegos esfomeados. A partir destes, determinou o tempo necessário para um morcego saciado morrer de fome, o tempo equivalente para um morcego vazio de sangue, para todos os outros estados intermédios. Isto permitiu-o converter sangue em número de horas de vida prolongada. Ele descobriu, não surpreendentemente, que o grau de partilha é diferente, dependendo de quão esfomeado o morcego está. Uma certa quantidade de sangue adiciona mais horas à vida de um morcego altamente esfomeado, do que à de um menos esfomeado. Por outras palavras, embora o acto de dar sangue aumente as chances do dador morrer, este aumento é pequeno comparado com o aumento das chances de sobrevivência do receptor. Economicamente falando, parece plausível que a economia dos vampiros está conforme as regras do Dilema do Prisioneiro.”

Compreende-se da descrição anterior, que se está perante um jogo do Dilema do Prisioneiro, onde a cooperação se resume à partilha do sangue adquirido. A recompensa é a sobrevivência e a punição em último caso a própria morte.

Dawkins, conclui que tal como nos outros casos, a cooperação dos morcegos vampiros vai para lá das fronteiras de parentesco, e esta é uma conclusão mais importante que os mitos que lhe estão associados.

“Mas se temos de ter mitos, os factos reais acerca dos vampiros poderão dar-nos uma diferente moral da história. Para os próprios morcegos, não é apenas o sangue mais espesso que a água. Eles elevam-se acima dos laços parentais, formando os seus próprios laços duradouros de leal irmandade. Vampiros poderão estar na vanguarda dum confortável novo mito, um mito de partilha, e cooperação mútua. Eles podem pregar a ideia benigna de que, mesmo com genes egoístas no elmo, bons rapazes podem terminar primeiro.”


Documentário em inglês de Richard Dawikins sobre o tema Bons Rapazes Terminam Primeiro.


(1) – Traduzido de http://www-static.cc.gatech.edu/%7Eidris/Essays/Dawkins_The_Selfish_Gene.htm
(2) – Sangue é mais espesso do que água
(3) –
The long reach of the gene – The Selfish Gene, Richard Dawkins
(4) – Bons Rapazes Terminam em Primeiro – Parte 1
(5) – Vive e deixa viver

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