domingo, 28 de janeiro de 2007

Bons Rapazes Terminam em Primeiro – Parte 1

O Dilema do Prisioneiro

Rapazes amáveis acabam em último. A frase parece ter origem no mundo do baseball, embora alguns indiquem uma origem alternativa. O biologista americano Hardin Garrett usou essa mesma frase para resumir o que pode ser chamado de “sociobiologia” ou “Egoísmo de Género”(1). É fácil de se ver a sua justeza. Se traduzirmos o significado coloquial de ‘bom rapaz’ no seu equivalente darwiniano, um rapaz amável é um indivíduo que ajuda os outros membros da sua espécie, às suas próprias custas, por deixar de transmitir os seus genes para a geração futura. Rapazes amáveis, parecem estar à partida, condenados a diminuir em número: amabilidade sofre assim uma morte darwiniana. Mas há uma outra interpretação técnica da palavra coloquial “amável”. Se adoptarmos esta outra, que não foge muito do significado coloquial, rapazes amáveis podem de facto terminar em primeiro. Esta conclusão mais optimista, é a que será abordada neste capítulo.

Lembra-se dos Grudgers do Capítulo 10(2). Tratavam-se de pássaros que se ajudavam duma forma aparentemente altruísta, mas recusavam-se a ajudar (de forma rancorosa), indivíduos que previamente se tinham recusado ajudá-los. Os Grudgers vieram a dominar a população, porque passaram mais genes a gerações futuras do que quaisquer Papalvos (que ajudaram os outros indiscriminadamente, e foram dessa forma explorado) ou Vigaristas (que tentaram cruelmente explorar todos os outros, acabado por prejudicar todos eles). A história dos Grudgers ilustra um princípio geral importante, que Robert Trivers chamou de ‘altruísmo recíproco’. Como vi-mos no exemplo do peixe limpador (pág. 186-7), altruísmo recíproco não está confinado a membros de uma única espécie. Existe em todos os relacionamentos que são chamados simbióticos – por exemplo, as formigas na ordenha do seu ‘gado’ de afídios (pág. 181). Desde que o Capítulo 10 foi escrito, o cientista político americano Roberts Axelrod (trabalhando parcialmente em colaboração com W. D. Hamilton, cujo nome deste último foi cortado de tantas páginas deste livro), levou a ideia de altruísmo recíproco a novas direcções. Foi Axelrod que definiu o significado técnico da palavra ‘amável’ a que eu aludi no parágrafo de abertura.

Axelrod, como muitos cientistas políticos, economistas, matemáticos e psicólogos, ficou fascinado por um simples jogo chamado O Dilema do Prisioneiro. É tão simples que descobri haverem homens, que apesar de serem inteligentes, não o terem compreendido de todo, pensando que teria de haver algo mais nele! Mas a sua simplicidade é enganosa. Prateleiras inteiras de bibliotecas, encontram-se dedicadas a ramificações deste jogo encantador. Muitas pessoas influentes acham que este tem a chave para o planeamento estratégico da defesa, e que deve ser estudado por forma a evitar uma terceira guerra mundial. Como biólogo, concordo com Axelrod e Hamilton, de que muitos animais selvagens e plantas estão interligados num incessante jogo do tipo do Dilema do Prisioneiro, jogado ao logo do período evolutivo.

O jogo na sua versão humana e original é jogado da seguinte maneira. Há um ‘banqueiro’, que paga pelas vitórias dos dois jogadores. Suponha que jogo contra si (embora, como veremos, ‘contra’ é precisamente o que nós não devemos ser). Existem apenas duas cartas, marcadas com COOPERA e DESERTA. Para jogar, escolhemos cada um uma carta, e colocamo-las de face para baixo em cima da mesa. De face para baixo, por forma a que nenhum de nós possa ser influenciado pela escolha do outro: na realidade, jogaremos simultaneamente. Esperaremos ansiosos para que o banqueiro vire ambas as cartas. A incerteza vem do facto da nossa recompensa depender não só da carta que jogámos (a qual temos conhecimento), mas também da do outro jogador (a qual apenas conheceremos no momento em que o banqueiro a virar).

Como existem 2x2 cartas, há quatro combinações possíveis de resultados. Para cada resultado, as nossas recompensas são as seguintes (em dólares considerando as origens norte-americanas do jogo).

Resultado I: Jogamos ambos COOPERA. O banqueiro paga a cada um de nós $300. A esta soma respeitável chama-se recompensa por cooperação mútua.
Resultado II: Jogamos ambos DESERTA. O banqueiro recebe de cada um de nós $10. Isto será chamado de punição por mútua deserção.
Resultado III: Você jogou COOPERA; eu joguei DESERTA. O banqueiro paga-me $500 (a tentação para desertar) o cobra-lhe $100 (custo do Papalvo).
Resultado IV: Você jogou DESERTA; eu joguei COOPERA. O banqueiro paga-lhe $500, e cobra-me $100.

Os resultados III e IV são obviamente simétricos: um jogador sai-se muito bem e o outro muito mal. Nos resultados I e II saímo-nos de forma igualmente boa, mas o resultado I é melhor para nós do que o II. As quantidades exactas de dinheiro não importam. Nem sequer importa quantas delas são positivas (pagamentos) e quantas, se algumas, são negativas (multas). O que interessa, para o jogo se qualificar como um verdadeiro Dilema do Prisioneiro, é a sua ordem hierárquica. A Tentação pela deserção deve ser maior que a Recompensa pela cooperação mútua, que deve por sua vez, ser maior que aquela pela deserção mútua, e maior que a do Papalvo. (Estritamente falando, há mais uma condição para que o jogo se possa qualificar-se como um verdadeiro Dilema do Prisioneiro: a média da Tentação junto com o desfecho do Papalvo, não devem exceder a Recompensa pela cooperação mútua. A razão para esta condição adicional emergirá mais tarde). Os quatro resultados estão resumidos na matriz de desfecho da Figura 1.


Figura 1 – Recompensas e punições dos vários resultados do jogo O Dilema do Prisioneiro

Agora, por quê o ‘dilema’? Para o ver, olhe para a matriz de desfecho da Figura 1, e imagine os meus pensamentos enquanto jogo contra si. Eu sei que só pode jogar duas cartas, COOPERA e DESERTA. Consideremo-las ordenadamente. Se jogou DESERTA (teremos de olhar para a coluna da direita), a melhor carta que eu poderia ter jogado seria igualmente DESERTA. Reconhecidamente teria sofrido a penalidade pela deserção mútua, mas se tivesse cooperado, teria o desfecho do Papalvo que seria muito pior. Viremo-nos agora para a outra coisa que poderia ter feito, COOPERA. Olhando para a coluna da esquerda, uma vez mais, DESERTA será a minha melhor jogada. Se ambos tivéssemos cooperado receberíamos igualmente uns bons $300. Mas se deserta-se receberia ainda mais, ou seja $500. Conclui-se assim que, sem ter em conta a carta que irá jogar, a minha melhor jogada será sempre DESERTA.

Desta forma, cheguei à conclusão lógica, de que independentemente do que faça, eu devo desertar. E você, seguindo o mesmo raciocínio, chegará à mesma conclusão. Assim sendo, quando dois jogadores racionais se encontram, optarão ambos por desertar, acabando por pagar a punição por mútua deserção. Mas cada um, sabe muito bem, que, se ao menos tivesse-mos jogado COOPERA, teríamos obtido uma recompensa relativamente alta pela cooperação mútua ($300 no nosso exemplo). Essa é a razão pela qual o jogo é chamado de dilema, pela qual parece ser tão desconcertante, e pela qual já foi proposto haver uma lei contra ele.

O termo ‘prisioneiro’ vem de um exemplo particular e imaginário. A moeda de troca, neste caso, não é em dinheiro mas em anos de prisão. Dois homens, chamados Peterson e Moriarty, estão na cadeia, suspeitos de participarem num crime. Cada prisioneiro, na sua cela separada, é convidado a trair o seu colega (DESERTA), divulgando fortes provas contra ele. O que acontece a seguir depende do que ambos irão fazer, e nenhum deles sabe o que o outro irá fazer. Se Peterson atirar as culpas inteiramente para cima de Moriarty, e por outro lado Moriarty mantiver uma história plausível por forma a guardar silêncio (cooperando com seu outrora companheiro e agora traidor), Moriarty receberá uma pesada sentença, enquanto Peterson, escapar-se-á de qualquer sentença por ter cedido à tentação de desertar. Se cada um deles trair o outro, ambos serão condenados pelo crime, mas recebem por outro lado algum crédito por terem denunciado o outro, recebendo dessa forma uma sentença pesada mas de alguma forma reduzida, como castigo pela deserção mútua. Se ambos cooperassem (um com o outro, e não com as autoridades) recusando-se a falar, não haveriam provas suficientes para os condenar pelo crime principal, acabando por receber uma sentença pequena por uma ofensa menor, a recompensa pela cooperação mútua. Embora pareça estranho chamar a uma pena de cadeia uma ‘recompensa’, seria dessa forma que os homens a veriam, se a comparassem com a alternativa de passar um período muito maior a trás das grades. Notará que, embora as ‘recompensas’ não estejam em dólares mas em anos de cadeia, as características essenciais do jogo mantêm-se (olhando para a ordem hierárquica dos quatro resultados). Se se puser no lugar de qualquer um dos prisioneiros, supondo que ambos são motivados pelo interesse pessoal e racional, e lembrando-se de que não podem conversar entre si por forma a firmarem um pacto, verá que nenhum deles terá outra escolha que não seja a de se traírem mutuamente, condenando-se cada um a uma sentença pesada.

Há alguma forma de se sair do dilema? Ambos os jogadores sabem o que seu oponente fará, eles não pode fazer melhor que desertar; mas também sabem, que se ao menos tivessem cooperado, cada um ter-se-ia saído muito melhor. Se ao menos... se ao menos... se ao menos houvesse uma forma de chegar a acordo, alguma forma de cada jogador assegurar ao outro que nele se lhe pode confiar, que não procurará a egoísta jogada do jackpot, alguma forma de policiar o acordo.

No simples jogo do Dilema do Prisioneiro, não há nenhum meio de garantir confiança. A não ser que pelo menos um dos jogadores seja um santo Papalvo, demasiado bom para este mundo, o jogo está condenado a acabar em deserção mútua com resultados paradoxalmente pobres para ambos os jogadores. Mas há outra versão do jogo. É o chamado de Dilema do Prisioneiro ‘Iterado’ ou ‘Repetido’. O jogo iterado é mais complicado, e é na sua complicação que reside a esperança.

(a continuar)

(1) – Retirado do inglês ‘selfish genery’.
(2) – Chapter 10, You scratch my back, I’ll ride on yours, The Selfish Gene by Richard Dawkins.

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