domingo, 21 de janeiro de 2007

Pombos e Falcões

Hoje vou tentar dar resposta a alguns dos problemas confrontados no meu “post” anterior As Raízes da Riqueza, no primeiro exemplo, em que os dois marinheiros decidem seguir a partir de uma dada altura o seu próprio caminho, dividindo as posses anteriormente comuns, são-nos evidenciados os problemas para o conjunto dos dois intervenientes. No entanto não nos é dada resposta a uma simples pergunta. Se a situação deles seria no conjunto boa, ou a melhor possível, porque razão haveriam de ficar insatisfeitos, e de onde vem essa insatisfação que muitas das vezes é contraproducente do ponto de vista global?

Para tentar responder a essa simples pergunta, vou falar do conceito EEE (Estratégica Evolucionariamente Estável) ou em inglês ESS (Evolutionary Stable Strategy), este conceito foi introduzido por um biólogo de nome Maynard Smith(1), e está intimamente relacionado com a Teoria dos Jogos. Deixarei no entanto a teoria dos jogos para outra altura, abordando hoje apenas o conceito EEE.

Uma Estratégica Evolucionariamente Estável, pode ser definida como aquela cuja maioria dos membros de uma determinada população adoptam, e que não pode por outro lado, ser melhorada por qualquer estratégia alternativa. Uma outra forma de dizer, trata-se de uma estratégia individual, a qual depende da atitude da maioria da população. Como a população consiste num grupo de indivíduos, cada um tentando maximizar o seu próprio sucesso (ponto de vista reprodutivo), a única estratégia sobrevivente será aquela, uma vez atingida, que não poderá ser ultrapassada ou melhorada por qualquer outra dum indivíduo desviante. A selecção natural irá assim penalizá-lo.

Consideremos o caso mais simples descrito por Maynard Smith’s, imaginemos que há apenas dois tipos de estratégia de conflito, numa população de duas espécies particulares de comportamento, Pombos e Falcões (sentido figurado). Todo o indivíduo ou população hipotética é classificada como Pombo ou Falcão, cujo comportamento se descreve da seguinte maneira:

Pombo: Atacam de uma forma convencional, nunca ferindo nenhum outro;
Falcão: Atacam desenfreadamente, esforçando-se o mais que podem, parando apenas quando feridos gravemente.

Os resultados dos possíveis conflitos são os seguintes:

Pombo vs. Pombo: Ameaçam-se mutuamente durante um longo período até que um deles desista, sem no entanto ficar ferido;
Pombo vs. Falcão: Pombo foge imediatamente, e assim não é ferido;
Falcão vs. Falcão: Lutam até que um deles se fira gravemente ou morra.

Nos conflitos é assumido que, não há forma de um indivíduo saber à partida se o adversário é um Pombo ou um Falcão, e que só o descobre quando o conflito tiver início. Além disso, não há a capacidade por parte dos intervenientes de manter uma memória dos conflitos ocorridos.

Agora, de uma forma arbitrária, iremos atribuir pontos aos vários intervenientes conforme o desfecho de cada conflito. A pontuação é definida da seguinte maneira:

Vitória: 50 pontos;
Desistência: 0 pontos;
Derrota por ferimentos graves: -100 Pontos;
Custo de perda de tempo (combates longos): -10 Pontos.

Este sistema de pontos deverá ser considerado como o sucesso de proliferação genética no agrupamento genético(2) dos indivíduos em conflito. Assim, para um indivíduo com uma pontuação alta, haverá no agrupamento genético uma maior quantidade dos seu genes, e consequentemente do seu tipo de comportamento.

O objectivo deste concurso não é o de saber quem ganha a quem, pois isso já sabemos, o que nos interessa saber, é, de qual das duas estratégias é a EEE. Caso uma delas o seja, é de se esperar que essa mesma estratégia evolua em detrimento da outra. No entanto, veremos que nenhuma destas estratégias é uma EEE, e para o demonstrar, teremos de considerar o cálculo da média das pontuações.

Caso a população fosse inteiramente constituída por Pombos, sempre que lutassem, nenhum deles seria ferido. Os conflitos resumir-se-iam a um conjunto de lutas ritualizadas, que terminaria com a desistência de um dos lados. Assim, o vencedor receberia 50 pontos por ter vencido, e perderia 10 relativamente ao tempo despendido, resultando numa recompensa final de 40 pontos. Por outro lado o perdedor sairia penalizado com -10 pontos. Assim em média (50% vitórias, 50% derrotas), a população geral de Pombos tem um recompensa de 1/2*(40 – 10) = 15 pontos. Assim sendo, a população de Pombos sai-se com um saldo razoável.

Suponha-mos agora, que devido a uma mutação, surge um Falcão na população de Pombos. Como ele será o único Falcão nas redondezas, irá ganhar todos os conflitos, sendo recompensado em 50 pontos para cada um deles, e esta será a sua recompensa média. O Falcão gozará de um enorme sucesso dentro da população de Pombos, pelo que, os seus genes se espalharão rapidamente.

Mas agora, com o aumento de Falcões na população, os rivais encontrados por um Falcão não serão todos Pombos. E levando ao extremo, se a população de Falcões se espalhar de uma forma tão bem sucedida, a população total será constituída apenas por Falcões, sendo todas as lutas do tipo Falcão vs. Falcão. Neste caso, a população de Falcões terá como recompensa 1/2*(50 – 100) = -25 pontos. Se agora invertermos o cenário, e considerar-mos o surgimento de um Pombo na população de Falcões, será evidente que ele perderá todos os conflitos, mas não sairá deles ferido nem perderá qualquer tempo. A sua recompensa será de 0 pontos, superior aos -25 dos Falcões, espalhando deste modo os seus genes pela população.

Na realidade não se chegará a nenhum dos extremos anteriormente considerados, nem a população terá grandes oscilações entre Pombos e Falcões, haverá por isso um rácio estável entre ambos. Para os pontos que definimos, teremos um rácio de 5/12 Pombos e de 7/12 Falcões(3). Assim, neste exemplo, a EEE resume-se a um rácio de 5:7 (Pombos/Falcões), significando que, aqueles que aumentarem a sua população relativamente a este equilíbrio serão prejudicados. O mesmo acontece no rácio 50:50 relativamente ao tipo de sexo, em qualquer dos casos, as oscilações em torno deles não serão acentuadas.



Figura 1. Ponto de equilíbrio EEE


Superficialmente, isto pode parecer como selecção de grupos, porque nos faz pensar numa população em equilíbrio, que retorna a este sempre que perturbada. Mas o conceito EEE é muito mais subtil. Não tem nada a ver com grupos mais bem sucedidos que outros. Isto pode ser facilmente ilustrado pelo nosso exemplo anterior. A recompensa de cada indivíduo segundo o rácio determinado anteriormente de 5:7, será de 6,25, independentemente de se tratar de um Pombo ou de um Falcão. Mas 6,25 é muito menos que 15, relativos a uma população constituída só por Pombos. Se todos, simplesmente concordassem em ser Pombos, cada indivíduo sairia beneficiado. Pela simples selecção de grupos, qualquer grupo no qual todos os elementos concordassem em ser Pombos, seria muito mais bem sucedido que qualquer outro cujo rácio fosse o da EEE (em abono da verdade, uma conspiração de Pombos não é a mais vantajosa, um grupo com 5/6(4) de Pombos e 1/6 de Falcões, em média tem uma recompensa de 16,67 superior a 15).

Segundo a teoria da selecção de grupo, a população prevista seria uma constituída apenas por Pombos, visto o grupo que contém apenas 5/12 de Pombos ter uma recompensa muito inferior. Mas o problemas com as conspirações, mesmo aquelas que são vantajosas para todos, é o de estarem vulneráveis a abusos. É verdade que todos se saem melhor num grupo de todos Pombos, do que noutro em equilíbrio (EEE). Mas infelizmente, numa conspiração de Pombos, um único Falcão sai-se tão bem, que nada pode impedir a evolução destes. A conspiração está assim condenada a ser quebrada pela traição interna. Uma estratégia EEE é estável, não porque seja particularmente boa para os indivíduos, mas simplesmente por ser imune a traições no grupo em que se estabelece.

É no entanto, possível para humanos, assinar pactos, ou entrar em conspirações em que todos beneficiam, mesmo que não seja estável do ponto de vista da EEE. Mas isto será apenas possível porque cada indivíduo recorre à sua previdência conscenciosa, e através dela compreende que é do seu próprio interesse obedecer às regras do pacto. Mas mesmo neste tipo de pactos, existe o perigo constante, de que os indivíduos venham a ganhar muito mais no curto prazo quebrando essas regras, o que faz com que a tentação seja irresistível.

Talvez o melhor exemplo seja o da fixação de preços. É do interesse de todos os gasolineiros, que seja estabelecido um preço artificialmente alto. Alianças de acordo de fixação de preços, cuja estimação é do melhor interesse de todos, pode sobreviver por longos períodos. Mas mesmo assim, é comum haver alguém que ceda à tentação de baixar o preço. Imediatamente todos o seguem na sua acção (mercado de livre concorrência). Infelizmente para o resto de nós, a consciência dos gasolineiros volta a surgir na forma de um novo pacto de fixação de preços. Assim, mesmo no caso dos homens, seres com uma consciência previdente, pactos ou conspirações baseados nos interesses comuns a longo prazo, vacilam constantemente, estando sempre à beira do colapso devido à traição interna. Nos animais selvagens, controlados pela luta dos genes, é ainda mais difícil encontrar formas; pelas quais o grupo beneficie, ou em que estratégias conspirativas evoluam. Deveremos esperar encontrar EEE em todo o lado.

O estado de equilíbrio no agrupamento genético representado pelo rácio do exemplo anterior, é tecnicamente descrito como polimorfismo. No entanto, matematicamente, um equilíbrio do tipo EEE pode ser atingido sem um polimorfismo. Se cada indivíduo for capaz de se comportar quer como Pombo quer como Falcão, um equilíbrio do tipo EEE poderá ser conseguido, numa população em que todos os indivíduos têm a mesma probabilidade de se comportarem como Pombos, ou seja 5/12. Isto significa que todos os indivíduos, em cada conflito que participam, escolhem um tipo de comportamento de uma forma aleatória, segundo a razão de 5:7 (Pombos/Falcões). É importante que a decisão seja realmente aleatória, sem que à partida se saiba qual o comportamento do oponente.

Esta história é um pouco naïve. Mas apesar da sua simplicidade, ajuda-nos a compreender as possíveis razões, da dificuldade de existência de uma sociedade que satisfizesse John Ruskin. No seu Simples Exemplo, quando as posses dos dois marinheiro são divididas, tal pode ter resultado da insatisfação de uma das partes como é dito, e essa insatisfação vem do facto de essa mesma parte ter mais a ganhar com a “traição” do acordo vigente, embora no conjunto e na globalidade ambos saiam a perder. Poder-se-ia dizer que, como houve uma espécie de traição de um acordo de amizade, poderia haver também uma outra, relativamente à obrigatoriedade da caução, por forma a que o trabalho em dívida não tivesse de ser recompensado na sua totalidade ou na forma previamente acordada. Mas aqui há uma diferença (ou não), visto todas as leis, garantirem a sua aplicabilidade através de um mecanismo de represálias normalmente de custo superior ao do seu cumprimento, pois caso contrário sofrerá do mesmo mal que qualquer outro acordo meramente tácito.

No segundo exemplo, constituído por três homens em vez de dois, é-nos dito para se supor que não existe nenhuma comunicação entre os dois homens que mantêm a sua função de agricultores. Ora como vimos, este pressuposto coloca esses mesmos dois homens numa posição bastante fragilizada, pela simples razão de que o transportador sabe à partida qual o comportamento destes, podendo fazer o papel de Falcão se assim o entender, e não haverá empatia possível, que por si só o impeça de tal. A recompensa é evidente e descrita logo de seguida, a aquisição de todas as propriedades e posterior escravização dos seus anteriores proprietários. Nada mais que a quebra de uma situação mais vantajosa para todos, pela simples razão de não se tratar de um equilíbrio EEE.

A “riqueza comercial” referida por John Ruskin, nada mais é que a concretização dos interesses individuais às custas da frustração constante de qualquer estado de providência, toda a oportunidade imediata é aproveitada, sem qualquer consideração pelo bem comum, pois este carece de garantias e de imposições, algo sempre muito complicado de se instaurar e ainda mais de se manter. Pode-se dizer que existem dois tipos de equilíbrio, um forçado, que favorece o grupo como um todo, e outro natural, que favorece o indivíduo como elemento isolado (EEE). As oscilações entre um equilíbrio e outro são previsíveis, pelo simples facto, extremamente contraditório, do homem ser antes de qualquer outra coisa um indivíduo, cujos interesses se sobrepões a quaisquer outros, como sejam os sociais. É o papel da civilização, tentar conciliar a natureza humana com o bem social, e fazer dos dois algo indistinguível.

(1) – John Maynard Smith – http://en.wikipedia.org/wiki/John_Maynard_Smith
(2) – Do inglês Gene Pool
(3) – 50.x – 25.(1 – x) = 15.x + 0.(1 – x) <=> x = 25/60 = 5/12
(4) – (d/dx)[(1 – x).[50.x – 25.(1 – x)] + x.[15.x + 0.(1 – x)]] = 0 <=> x = 100/120 = 5/6

Bibliografia: The Selfish Gene – Richard Dawkins

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