segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

A Histologia das Suturas

De Biologia Sutural e o Normal Crescimento Craniofacial (0).

Muitos estudos de suturas – ambas esqueléticas e histológicas – foram realizados em humanos, em primatas não humanos, e em roedores (9,15,21,25,33,55,56,60,62-64,66a,67,78,82,92,94-96, 99,101,103,104,107,108,115.117,126,127).
Duas críticas importantes podem ser feitas à maioria destes estudos. A primeira, é a de que muitos dos estudos iniciais analisavam crânios limpos, de idades desconhecidas ou estimadas, através de inspecções grosseiras das superfícies ecto e endocranianas das suturas. As zonas internas das suturas, não eram examinadas histologicamente na busca de possíveis fusões precoces. A segunda, é a de que muitos dos últimos estudos não analisavam as suturas através do ciclo da vida. Estudos excepcionais não sujeitos a estas críticas, incluem, entre outros, os de Persson (92), Kokich (55,56), Kokich et al. (57), e Miroue e Rosenberg (78).
A visão comummente mais aceite do desenvolvimento das suturas nos nossos dias, foi definida por Pritchard et al (99). Eles reconheceram cinco camadas distintas: duas de transição e duas de encapsulamento do periósteo adjacentes ao osso separadas por uma camada vascular intermédia (Figura 10). Com a maturação, a camada de transição reduz-se a uma simples camada de osteoblastos; a camada de encapsulamento endurece, e a sua direcção fibrosa torna-se paralela às faces suturais dos ossos; e a camada intermédia, torna-se cada vez mais vascular.


Figura 10 – Histologia das suturas facial (A) e craniana (B). De Pritchard et al (99).

Observações histológicas a longo prazo por Persson (92), Kokich (55,56), e Miroue e Rosenberg (78) põem em questão o número de camadas dentro da sutura. Estes autores indicam que a estrutura das suturas não varia apenas em diferentes tipos de suturas, mas também, no interior da mesma sutura ao longo do tempo. Variações no número de camadas de suturas são propostas por diferentes autores como mostra a tabela 2.

Tabela 2 – Histologia sutural. De Cohen (16).

Referências:

0 - M. Michael Cohen, Ruth E. MacLean (2000): Craniosynostosis: Diagnosis, Evaluation, and Management, 2nd ed. USA: Oxford University Press.
9 - Bernstein SA (1933): Über den normalen histologischen Aufbau des Schädeldaches. Z ges Anat, Z Anat Entw-Gesch 101:652-678.
15 - Christensen JB, Lachman E, Brues AM (1960): A study of the roentgen appearance of cranial vault sutures: Correlation with their anatomy. Am J Roentgenol 83:615-627.
16 - Cohen MM Jr (1993): Sutural biology and the correlates of craniosynostosis. Am J Med Genet 47:581-616.
21 - Dwight T (1890): The closure of the sutures as a sign of age. Bost Med Surg J 122:389-392.
25 - Falk D, Konigsberg L, Helmkamp RC, Cheverud J, Vannier M, Hildebolt C (1989): Endocranial suture closure in rhesus macaques (macaca mulatta). Am J Phys Anthropol 80:417-428.
33 - Gratiolet P (1856): Mémoire sur le développment de la forme du crâne de l'homme, et sur quelques variations qu'on observe dans la marche de l'ossification de ses sutures. C R Acad Sci 43:428-431.
55 - Kokich VG (1974): A morphologic and histologic study of the age changes in the human frontozygomatic suture from 20 to 95 years. MSD Thesis, University of Washington.
56 - Kokich VG (1976): Age changes in the human frontozygomatic suture. Am J Orthodont 69:411-430.
57 - Kokich VG, Shapiro PA, Moffett BC, Retzlaff EW (1979):
60 - Krogman WM (1930): Studies in growth changes in the skull and face of anthropoids: Ectocranial and endocranial suture in anthropoids and old world apes. Am J Anat 46:315-353.
62 - Laitinen L (1956): Craniosynostosis, thesis. Ann Paediatr 2:Suppl 6.
63 - Latham RA (1971): The development, suture, and growth pattern of the human mid-palatal suture. J Anat 108:31-41.
64 - Latham RA, Burston WR (1966): The postnatal pattern of growth at the sutures of the human skull. Dent Pract 17:61-67.
66a - Mair R (1926): Untersuchungen über die Struktur der Schädelknochen. Z Mikrosk Anat Forsch 5:625-667.
67 - Markens IS (1975): Transplantation of the future coronal suture to the dura mater of 3- to 4-month-old rats. Acta Anat (Basel) 93:29-44.
78 - Miroue M, Rosenberg L (1975): The human facial sutures: A morphologic and histologic study of age changes from 20 to 95 years. MSD Thesis, University of Washington.
82 - Moss ML (1954): Growth of the calvaria in the rat. Am J Anat 94:333-362.
92 - Persson M (1973): Structure and growth of facial sutures. Odontol Revy 24:Suppl 6, pp1-146.
94 - Persson M, Roy W (1979): Suture development and bony fusion in the fetal rabbit palate. Arch Oral Biol 24:283-291.
95 - Persson M, Magnusson BC, Thilander B (1978): Sutural closure in rabbit and man: A morphological and histochemical study. J Anat 125:313-321.
96 - Petersen H (1930): Die Organe des Skelettsystems. In: Von Möllendorff's Handbuch der Mikroskopischen Anatomie des Menschen, 2:11, Berlin: Springer.
99 - Pritchard JJ, Scott JH, Girgis FG (1956): The structure and development of cranial and facial sutures. J Anat 90:73-86.
101 - Sauvage HE (1870): Sur l'etat sénile du crâne. Bull Soc d'Anthrop, Paris, Sér 2, T 5:576-586.
103 - Scott JH (1954): The growth of the human face. Proc R Soc Med 47:91-100.
104 - Seiton EL (1964): Growth behavior of the facial sutures as revealed by lead acetate injections and selective fiber stains. MSD Thesis, University of Illinois.
107 - Sicher H (1965): Oral Anatomy, 4th ed. C.V. Mosby Co, St. Louis, pp 71-75.
108 - Sitsen AE (1933): Zur Entwicklung der Nähte des Schädeldaches. Z Ges Anat, Z Anat Entw-Gesch 101:121-152.
115 - Todd TW, Lyon DW (1924): Endocranial suture closure: Part I. Adult males of white stock. Am J Phys Anthropol 7:325-384.
117 - Troitzky W (1932): Zur frage der Formbildung des Schädeldaches. Z Morphol Anthropol 30:504-532.
126 - Weinmann JP, Sicher H (1955): Bone and Bones, 2nd ed. St. Louis: C.V. Mosby Company, pp. 88-91.
127 - Wright GH (1911): A study of the maxillary sutures. Dent Cosmos 52:633-642.

Iniciação e Formação das Suturas

De Biologia Sutural e o Normal Crescimento Craniofacial (0).
Pensa-se que as zonas das suturas calvárias, formam-se em consequência das reflexões da dura-máter. A ausência de uma reflexão específica da dura-máter, resulta normalmente na incapacidade de formação da sutura, com a consequente ossificação no local (109). No entanto, algumas embriopatias tais como a holoprosencefalia, nem sempre corroboram estas “regras”. Uma explicação biomecânica para a morfologia das suturas faciais, onde a dura-máter não existe, foi dada por Persson e Roy (94), baseada no desenvolvimento da sutura do palato dum coelho, concluindo que, a separação espacial dos ossos durante o crescimento regula a formação da sutura.
Pritchard et al. (99) concluiu que o desenvolvimento das suturas calvárias e faciais é diferente, conclusão esta, suportada por investigações subsequentes. Os ossos faciais têm cápsulas fibrosas periósticas em seu redor, estando estas perfeitamente formadas às 17 semanas do útero (Figura 6). Em contraste, os ossos cranianos desenvolvem-se numa membrana fibrosa contínua, a ectomeninx (ecto – exterior, meninx – meninge) da meninge primária, onde não se formam cápsulas fibrosas até ao nascimento. Assim, as cápsulas fibrosas periósticas mais maduras, das suturas faciais do feto, podem ser uma barreira mais efectiva contra a fusão óssea do que as ainda imaturas e não segmentadas suturas calvárias (59a).


Figura 6 – Os ossos faciais estão envolvidos por cápsulas fibrosas periósticas que se estabelecem completamente no útero na semana 17. A sutura zigomático-maxilar na altura do nascimento. Enquanto o zigoma (Z) e o maxilar (M) se desenvolvem e crescem durante o período fetal, os ossos vizinhos envolvidos pelos sacos periósteos (setas) aproximam-se, formando uma fina camada de tecido mesenquimal (MT) encurralada entre eles. Hematoxilina e eosina, × 100. De Kokich (54).

As suturas calvárias e faciais, diferem em outros aspectos. Exceptuando-se a sutura palatina média, as suturas faciais não se fundem antes das sete ou oito décadas (56,78). Em contraste, as suturas calvárias fundem-se cerca do início da idade adulta (Tabela 1). As forças são transmitidas da mandíbula, através dos ossos faciais, para a zona calvária (Figura 7). Assim, será vantajoso para as suturas faciais manterem-se patentes ao longo da vida. Por todas as razões práticas, assim acontece.


Tabela 1 – Fusão das suturas nos humanos. Modificado por Kokich (54). Baseado nos dados de Todd e Lyon (115,116), Kokich (56), Miroue e Rosenberg (78), e Caffey (13). (b) Desaparece normalmente no terceiro ano; persistindo 10% ao longo da vida.


Figura 7 – As forças transmitidas (linhas ponteadas) desde a mandíbula através dos ossos faciais para a cúpula craniana. As forças são criadas pelos músculos mastigatórios, em particular, os temporais (zona sombreada). Modificado após Campbell (14).

A tipologia contínua do complexo sutural que circunda a maxila, pode ter uma função de amortecimento de choques, relativa aos músculos de mastigação. As funções de amortecimento de choques de várias suturas, têm sido estudadas nos gatos (11,12), bodes (50,52), e ovelhas (51). No entanto, os choques causados pela mastigação nos humanos, não são suficientemente importantes para manterem as suturas faciais abertas. Os mustelídeos, tais como as doninhas, geram poderosos choques mastigatórios, e em contraste, possuem suturas fechadas (45) (ver Fusão de Suturas: Algumas Relações, em baixo).
Para além das suturas faciais se fecharem mais tarde que as cranianas (Tabela 1), a sinostose prematura (fusão prematura) das primeiras é rara, comparada com a das últimas. Mesmo quando constrangidas (causa conhecida de algumas craniosinostoses) directamente na face (suturas da face e da testa), a camada fibrosa perióstica mantém a sua função como uma barreira efectiva, havendo um rápido crescimento recuperativo da face média nestas crianças; não sendo evidente qualquer sinostose facial.
Johansen e Hall (53) observaram um gradiente hierárquico na iniciação sutural da cúpula craniana dum rato. Eram evidentes dois gradientes – um, o da zona anterior à posterior (ex. primeiro a sutura frontonasal, depois a interfrontal, a coronal, a sagital, e por fim a peritônio interparietal), e outro, o da zona lateral à média (ex. primeiro a sutura squamosal, depois a coronal e a sagital).
O exame histológico da cavidade craniana do feto do rato, mostrou que as suturas se desenvolvem no início, segundo a proliferação das células em forma de cunha na periferia da zona de extensão dos ossos, que se define com o termo frente osteogénica (20). As frentes osteogénicas parecem controlar a morfologia genética da arquitectura sutural (41,53). As frentes osteogénicas aproximam-se umas das outras duma de duas maneiras. Na primeira, sobrepõem-se uma a outra, com uma zona interveniente de tecido fibroso imaturo de interligação, que leva ao desenvolvimento duma sutura sobreposta (Figura 8). Na segunda, aproximam-se uma da outra no mesmo plano, com uma zona intermédia de tecido fibroso de interligação, que leva ao desenvolvimento duma sutura do tipo end-to-end (28,53) (Figura 9A,B).


Figura 8 – Iniciação da sutura coronal dum rato revelando sobreposição. F: desenvolvimento do osso frontal. P: desenvolvimento do osso parietal. De Johansen e Hall (53).


Figura 9 – Diagramas de mudanças suturais. A coluna da esquerda (A,C,F,H,J) representa as suturas da linha média (sagital, metopic/frontal). A coluna da direita (B,D,G,I,K) representa as suturas fora da linha média (ex. coronal). A: Iniciação de sutura do tipo end-to-end (alinhada). B: Iniciação de sutura do tipo sobreposta. C: Desenvolvimento de interdigitações na sutura média. D: Desenvolvimento de interdigitações na sutura sobreposta. E: Desenvolvimento de interdigitações passando pela plana, pela ligieramente interdigitada, pela interdigitada, e por fim, pela muito interdigitada. Depois de Herring, 1972. F: Mudanças na forma dos ossos calvários com a expansão do cérebro. De notar a deposição óssea (linhas diagonais) nas margens da sutura. Baseado em Enlow, 1990. G: Mudanças na forma dos ossos calvários com a expansão do cérebro. Note-se também, a deposição de osso (linhas diagonais) nas margens das suturas fora da linha média. Baseado em Enlow, 1990. H: Fusão normal de sutura da linha média. I: Fusão normal de sutura fora da linha média. J: Craniossinostoses da sutura da linha média (sagital, metopic) revelando enrijamento. K: Craniossinostoses da sutura fora da linha média sem enrijamento (ex. sutura coronal). De Cohen (16).

As implicações da formação sutural podem ser duas. A primeira; em que, pelo menos nos ratos, as suturas se tornem do tipo sobreposta ou end-to-end, parecem iniciar-se cedo, durante o estado de formação. É de todo o interesse, as suturas do tipo end-to-end formarem-se na linha média. Evidências mostram que nos humanos, as suturas sagital e palato médio são do tipo end-to-end (78). Nos ratos, as suturas metopic e internasal são do tipo end-to-end (58)*. Todas as outras suturas estudadas nos humanos (56,78) e nos ratos (58) – por exemplo, a coronal e a frontozigomática – são do tipo sobreposta. É sabido através de experiências que o tipo de estrutura pode ser alterado através de forças mecânicas (ver em baixo). Talvez estejam envolvidas forças biomecânicas no embrião, durante a formação da própria sutura. Se assim for, a formação da linha média poderá ser do tipo end-to-end, porque as forças biomecânicas de cada lado da sutura são iguais em magnitude. Em contraste, as suturas afastadas da linha média sofrem forças biomecânicas de magnitude desigual, e assim tornam-se sobrepostas, do tipo inclinado.
A segunda, em que, relativamente às da linha média (as suturas end-to-end), e às de fora da linha média (as suturas sobrepostas) da caixa craniana, duas arquitecturas diferentes de craniossinostoses parecem ocorrer. A sinostose craniana da linha média (sagital, metopic) é muito mais provável de produzir rigidez significativa do que a sinostose fora da linha média (coronal, lambdoid) (Figura 9J,K).

Referências/notas:

* - Apesar da sutura sagital ser do tipo end-to-end nos humanos (78), nota-se algum nivelamento nos ratos (128) e nas ratazanas (58); no entanto, a iniciação sutural per se parece ser do tipo end-to-end nos ratos (20) e nos frangos (93).
0 - M. Michael Cohen, Ruth E. MacLean (2000): Craniosynostosis: Diagnosis, Evaluation, and Management, 2nd ed. USA: Oxford University Press.
11 - Buckland-Wright JC (1972): The shock-absorbing effects of cranial sutures in certain mammals. J Dent Res 51:1241 (Abstract No. 24).
12 - Buckland-Wright JC (1978): Bone structure and the patterns of force transmission in the cat skull (Felis catus). J Morphol 155:35-62.
13 - Caffey J (1961): Pediatric X-ray Diagnosis, 4th ed. Chicago: Year Book Medical Publishers, Inc.
14 - Campbell B (1970): Human Evolution, Chicago: Aldine Publishing Co.
16 - Cohen MM Jr (1993): Sutural biology and the correlates of craniosynostosis. Am J Med Genet 47:581-616.
20 - Decker JD, Hall SH (1985): Light and electron microscopy of the newborn sagittal suture. Anat Rec 212:81-89.
28 - Furtwangler JA, Hall SH, Koskinen-Moffett LK (1985): Sutural morphogenesis in the mouse calvaria: The role of apoptosis. Acta Anat (Basel) 124:74-80.
41 - Hall SH, Decker JD (1986): Light and electronmicroscopic immunocytochemistry of osteonectin and a bone-specific proteoglycan. J Bone Miner Res 1:136.
45 - Herring SW (1993): Epigenetic and functional influences on skull growth. In: J Hanken, BK Hall, eds., The Vertebrate Skull, University of Chicago Press, Vol. 1, pp. 153-206.
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51 - Jaslow CR (1989): Sexual dimorphism of cranial suture complexity in wild sheep (Ovis aries). Zool J Linn Soc 95:273-284.
52 - Jaslow CR (1995): Strain patterns in the horncores, cranial bones and sutures of goats (Capra hircus) during impact loading. J Zool 235:193-210.
53 - Johansen V, Hall SH (1982): Morphogenesis of the mouse coronal suture. Acta Anat (Basel) 114:58-67.
54 - Kokich VG (1986): Biology of sutures. In: Cohen MM Jr (ed), Craniosynostosis: Diagnosis, Evaluation, end Management. New York: Raven Press, pp. 81-103.
56 - Kokich VG (1976): Age changes in the human frontozygomatic suture. Am J Orthodont 69:411-430.
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78 - Miroue M, Rosenberg L (1975): The human facial sutures: A morphologic and histologic study of age changes from 20 to 95 years. MSD Thesis, University of Washington.
93 - Persson M (1983): The role of movements in the development of sutural and diarthrodial joints tested by long-term paralysis of chick embryous. J Anat 137:591-599.
94 - Persson M, Roy W (1979): Suture development and bony fusion in the fetal rabbit palate. Arch Oral Biol 24:283-291.
99 - Pritchard JJ, Scott JH, Girgis FG (1956): The structure and development of cranial and facial sutures. J Anat 90:73-86.
109 - Smith DW, Töndury G (1978): Origin of the calvaia and its sutures. Am J Dis Child 132:662-666.
115 - Todd TW, Lyon DW (1924): Endocranial suture closure: Part I. Adult males of white stock. Am J Phys Anthropol 7:325-384.
116 - Todd TW, Lyon DW (1925): Cranial suture closure: Its progress and age relationship. Part II. Ectocranial closure in adult males of white stock. Am J Phys Anthropol 8:23-45.
128 - Yen EHK, Chiang SKT (1984): A radioautographic study of the effect of age on the protein-synthetic and bone-deposition activity in interparietal sutures of male white mice. Arch Oral Biol 12:1041-1047.

Função da Sutura

De Biologia Sutural e o Normal Crescimento Craniofacial (0).

Durante o nascimento, as áreas onde as suturas se desenvolverão, permitem a sobreposição dos ossos calvários (Figuras 1 e 2), à medida que a cabeça é comprimida na sua passagem pela vagina. A forma da cabeça resultante, volta à normalidade durante a primeira semana de vida, através de novas expansões e alargamentos das áreas suturadas (Figura 3). Numa investigação biomecânica da moldagem da cabeça do feto, McPherson e Kriewall (73), recorrendo a técnicas de engenharia estrutural, mostraram que o osso parietal é capaz de se deformar sob distribuições de sobrecargas típicas de um parto normal. Assim, a moldagem é uma combinação do deslocamento dos ossos cranianos com a sua deformação intrínseca.


Figura 1 – A moldagem dos ossos do crânio de um recém-nascido. Embora comum no parto normal, a moldagem não se constata em bebés nascidos por cesariana ou parto pélvico. Cortesia dos laboratórios Mead Johnson.


Figura 2 – Diagrama do crânio de um recém-nascido no seu primeiro dia de vida, demonstrando a adaptação dos ossos calvários, através da sobreposição das suas margens, causada pela compressão do parto. Cortesia dos laboratórios Mead Johnson.


Figura 3 – Diagrama do crânio mostrando a sua expansão que tem lugar durante a primeira semana de vida. Os ossos parietal, occipital e temporal, retornaram à sua posição normal. Cortesia dos laboratórios Mead Johnson.

À medida que as suturas cranianas se desenvolvem durante a infância, e dão lugar a ajustes e expansões cranianas, através da deposição de osso nas margens das suturas, as suturas base mantêm-se. Ocorrem também mudanças na curvatura dos ossos da zona calva (Figuras 4 e 5).


Figura 4 – Ajustamentos calvários ao cérebro em expansão, através da deposição de osso nas margens suturais. De Friede (27).


Figura 5 – Com a expansão do cérebro, ocorre também a expansão dos ossos calvários. Isto é acompanhado por mudanças locais da curvatura, através da variada ecto e endocraniana deposição (+) e absorção (–) de osso. É igualmente depositado osso na interface sutural. Modificado de Enlow (24).

Como as suturas se interligam, previnem assim a separação dos ossos calvários devido a forças externas, tais como traumas. Permitindo as suturas pequenos movimentos, podem assim amortecer pressões mecânicas de traumas menores durante a infância. As suturas, permitem o crescimento dos ossos, garantindo uma ligação firme, e ao mesmo tempo, permitindo movimentos ligeiros entre eles, tendo vindo por isso, a ser estudadas por um número considerável de autores (5,9,24,27,30,72,82,103).

Referências:

0 - M. Michael Cohen, Ruth E. MacLean (2000): Craniosynostosis: Diagnosis, Evaluation, and Management, 2nd ed. USA: Oxford University Press.
5 - Baer MJ (1954): Patterns of growth of the skull as revealed by vital staining. Hum Biol 26:80-126.
9 - Bernstein SA (1933): Über den normalen histologischen Aufbau des Schädeldaches. Z ges Anat, Z Anat Entw-Gesch 101:652-678.
24 - Enlow DH (1990): Facial Growth, 3rd ed. Philadelphia: WB Saunders Co.
27 - Friede H (1981): Normal development and growth of the human neurocranium and cranial base. Scand J Plast Reconstr Surg Hand Surg 15:163-169.
30 - Giblin N, Alley A (1944): Studies in skull growth. Coronal suture fixation. Anat Rec 88:143-153.
72 - Massler M, Schour I (1951): The growth pattern of the cranial vault in the albino rat as measured by vital staining with alizarin red 'S'. Anat Rec 110:83-101.
73 - McPherson GK, Kriewall TJ (1980): Fetal head molding: An investigation utilizing a finite element model of the fetal parietal bone. J Biomech 13:17-26.
82 - Moss ML (1954): Growth of the calvaria in the rat. Am J Anat 94:333-362.
103 - Scott JH (1954): The growth of the human face. Proc R Soc Med 47:91-100.

domingo, 6 de janeiro de 2008

Definição de Sutura

De Biologia Sutural e o Normal Crescimento Craniofacial (0).

Uma sutura é uma articulação craniofacial na qual, margens contínuas unidas por uma camada fina de tecido fibroso de osso se aproximam. Durante o seu desenvolvimento, a sutura inicial torna-se numa sutura definitiva com interdigitações. As suturas patentes, tanto calvárias como faciais, acabarão por se fechar com a consequente união dos ossos (17) (Tabela 1).

Tabela 1 – Fusão das suturas nos humanos. Modificado por Kokich (54). Baseado nos dados de Todd e Lyon (115,116), Kokich (56), Miroue e Rosenberg (78), e Caffey (13). (b) Desaparece normalmente no terceiro ano; persistindo 10% ao longo da vida.

Há um número de definições diferentes e por vezes redundantes do termo sutura. Na Anatomia de Gray (32), esta é definida como “uma articulação na qual as margens contínuas adjacentes aos ossos, estão unidas por uma camada fina de tecido fibroso.”. Moss-Salentijn e Hendricks-Klyvert (87), definem-na como “uma ligação densa e fibrosa entre ossos intramembranosos que permitem movimentos menores.”. Moss (83,84), distingue entre a Área da sutura, que consiste nos lados adjacentes do osso juntamente com o tecido mole que os separa, e a própria sutura, que consiste unicamente na componente de tecido mole. Além disso, distingue entre a sutura base, na qual a componente de tecido mole é indiferenciada, e a sutura definitiva, na qual os ossos adjacentes mais juntos se aproximam, substituindo-se um simples tubérculo por uma rede multi-laminada (82). É importante notar, que todas as concepções de sutura realçam a sua abertura e funcionalidade, ao contrário do seu futuro encerramento.

Referências:

0 - M. Michael Cohen, Ruth E. MacLean (2000): Craniosynostosis: Diagnosis, Evaluation, and Management, 2nd ed. USA: Oxford University Press.
13 - Caffey J (1961): Pediatric X-ray Diagnosis, 4th ed. Chicago: Year Book Medical Publishers, Inc.
17 - Cohen MM Jr (1997): Transforming growth factor βs and fibroblast growth factors and their receptors: Role in sutural biology and craniosynostosis. J Bone Miner Res 12:322-331.
32 - Goss CM (1959): Gray's Anatomy, 27th ed. Philadelphia: Lea & Febiger.
54 - Kokich VG (1986): Biology of sutures. In: Cohen MM Jr (ed), Craniosynostosis: Diagnosis, Evaluation, end Management. New York: Raven Press, pp. 81-103.
56 - Kokich VG (1976): Age changes in the human frontozygomatic suture. Am J Orthodont 69:411-430.
78 - Miroue M, Rosenberg L (1975): The human facial sutures: A morphologic and histologic study of age changes from 20 to 95 years. MSD Thesis, University of Washington.
82 - Moss ML (1954): Growth of the calvaria in the rat. Am J Anat 94:333-362.
83 - Moss ML (1957): Experimental alteration of sutural area morphology. Acta Anat (Basel) 127:569-590.
84 - Moss ML (1958): Fusion of the frontal suture in the rat. Am J Anat 102:141-165.
87 - Moss-Salentijn L, Hendricks-Klyvert M (1985): Dental and Oral Tissues 2nd ed. Philadelphia: Lea & Febiger.
115 - Todd TW, Lyon DW (1924): Endocranial suture closure: Part I. Adult males of white stock. Am J Phys Anthropol 7:325-384.
116 - Todd TW, Lyon DW (1925): Cranial suture closure: Its progress and age relationship. Part II. Ectocranial closure in adult males of white stock. Am J Phys Anthropol 8:23-45.

Biologia Sutural e o Normal Crescimento Craniofacial

Os posts seguintes, têm como objectivo, abalar uma visão actual. Onde tudo tende a ser visto como um produto acabado, as coisas são o que são do princípio ao fim.

Resumindo, numa altura em que o conceito de evolução sombreia o de desenvolvimento, penso ser importante perceber o dinamismo e a plasticidade do ser humano, naquilo que hoje e sempre muito se valorizou; a face.

Os temas seguintes resultam da tradução dos capítulos Sutural Biology e Normal Craniafacial Growth do livro Craniosynostosis: Diagnosis, Evaluation, and Management (0):

Referências:

0 - M. Michael Cohen, Ruth E. MacLean (2000): Craniosynostosis: Diagnosis, Evaluation, and Management, 2nd ed. USA: Oxford University Press.

segunda-feira, 5 de março de 2007

Bons Rapazes Terminam em Primeiro – Parte 4/4

Continuação do texto Bons Rapazes Terminam em Primeiro – Parte 3(1).

Blood Is Thicker Than Water(2)

O texto original (presente na Internet) traduzido nos Posts anteriores está incompleto e termina com a parte 3 desta série. A presente e última parte, pretende completar o capítulo de forma ligeira mas elucidativa, evidenciando pontos não presentes anteriormente.

Richar Dawkins, deu uma boa razão pela qual Tit for Tat através de pequenos aglomerados conseguiria ultrapassar o referido limiar, e tornar-se numa EEE mesmo que no início o Deserta Sempre o fosse. No parágrafo que se segue Dawkins resume essa capacidade decisiva.

“Voltando atrás ao nosso limiar, Tit for Tat pode superá-lo. Tudo o que é necessário, é um pequeno aglomerado local, de uma espécie que tenderá naturalmente a elevar-se no conjunto da população. Tit for Tat tem um dom embutido, em que mesmo nas situações em que esta é rara, a permite ultrapassar o limiar para o seu lado. É como se houvesse uma passagem secreta por baixo desse limiar. Mas essa passagem contem uma válvula de sentido único: existe uma assimetria. Ao contrário de Tit for Tat, Deserta Sempre, embora uma verdadeira EEE, não pode usar a aglomeração como uma forma de ultrapassar o limiar. Pelo contrário. Aglomerados locais constituídos por indivíduos Deserta Sempre, longe de prosperarem pela presença duns dos outros, fazem especialmente mal nessa mesma presença. Longe de se ajudarem mutuamente, às custas do banqueiro, estes prejudicam-se constantemente. Deserta Sempre, assim, ao contrário de Tit for Tat, não tira qualquer vantagem de parentesco ou viscosidade da população.”

Esta capacidade irreversível, cuja sua base se encontra na capacidade de formação de grupos, revela que, apesar de na opinião de Dawkins a unidade de selecção natural ser o gene, esta selecção não se restringe a isso. Poderá haver uma unidade base, mas o corpo sobrevivente como um todo é de definição e empacotamento muito difícil. Aliás, no Capítulo 13(3), Dawkins dá exemplos de organismos cujos seu genes de forma indirecta afectam o fenótipo de outros. Indo até mais longe, falando de genes que de forma indirecta modelam pedras, na sua forma e tamanho, obviamente através de organismos.

O que interessa destacar, são as várias formas de funcionamento do ambiente, e perceber que as regras nele existentes, fazem com que a selecção natural, mais não seja do que a forma óptima de ajuste a essas mesmas regras. Na realidade, um organismo, ou um gene, nada mais é, do que um elemento limitado por um túnel na direcção da concretização efectiva a que se destina. Isto é, Deserta Sempre, tal como Tit for Tat têm com certeza objectivos iguais, recolher, ou ter o máximo de descendência, o problema está quanto à forma de os alcançar, em que a do Deserta Sempre simplesmente não segue tal túnel.

Além da definição de ‘amável’, Dawkins introduz o conceito de inveja:

“Introduzo agora outro termo técnico de Axelrod. Tit for Tat é também ‘não invejosa’. Ser-se invejoso, na terminologia de Axelrod, significa rivalizar por mais dinheiro que o do outro jogador, em vez de uma larga quantia do dinheiro do banqueiro. Ser-se não invejoso significa estar-se feliz pelo outro jogador conseguir exactamente o mesmo dinheiro que nós, desde que ambos ganhemos mais do banqueiro. Na realidade Tit for Tat nunca ‘ganha’ o jogo. Pense acerca disso e verá que este não poderá colectar mais que o seu ‘oponente’ em qualquer dos jogos, porque nunca deserta excepto para retaliar. O máximo que poderá conseguir será um empate com o seu oponente. Mas alcança cada empate com uma pontuação partilhada bastante alta.”

A cooperação ou não, depende do tipo de jogo que se disputa, por exemplo, como no caso do dilema do prisioneiro, se este é iterado ou não. Para tornar clara esta distinção, Dawkins explica o conceito de jogo de ‘soma nula’ e de ‘soma não nula’.

“(...) Teóricos de jogos, dividem-nos em dois tipos, ‘soma nula’ e ‘soma não nula’. Um jogo de soma nula é aquele em que a vitória de uma jogador é a derrota de outro. Xadrez é um jogo de soma nula, porque o objectivo de cada jogador é ganhar, e isto significa fazer o outro perder. O Dilema do Prisioneiro, no entanto, é um jogo de soma não nula. Existe um banqueiro, que paga aos jogadores, onde é possível para os dois darem as mão e caminhar rindo na direcção do banco.”

O jogo ou a situação de disputa, não se define de uma forma rígida como sendo ou não de soma nula. Dawkins dá o exemplo do divórcio entre casais, em que existe todo o interesse em haver cooperação (jogo de soma não nula) e que pode tê-la, transformado num jogo de soma nula, pelo sistema judicial inglês e americano.

“Considere o divórcio. Um bom casamento é obviamente um jogo de soma não nula, cheio de cooperação mútua. Mas mesmo quando termina, são muitas as razões pelas quais o casal pode beneficiar da cooperação continuada, e tratar igualmente o seu divórcio como um jogo de soma não nula. Como se o bem estar dos filhos não fosse razão suficiente, os honorários dos dois advogados farão uma rude mossa nas finanças familiares. Assim, obviamente, um casal civilizado e sensível começa conjuntamente por procurar um advogado, não é?

Bem, na realidade não. Pelo menos na Inglaterra, e, até recentemente, em todos os 50 estados dos EUA, a lei, ou mais estritamente – e significativamente – o próprio código dos advogados, não permito fazê-lo. Os advogados só podem aceitar um membro do casal como cliente. A outra pessoa é deixada na porta, e, não terá aconselhamento judicial ou será forçado a consultar outro advogado. E aqui é que a diversão começa. Separados, mas a uma só voz, ambos os advogados começam imediatamente a referenciar-se como ‘nós’ e ‘eles’. ‘Nós’, compreenderá, não significa eu e a minha mulher; significa eu e o meu advogado contra ela e o seu advogado. Quando o caso chega a tribunal, estará catalogado como ‘Smith vs. Smith’! É assumido tratar-se dum caso conflituoso, quer o casal o sinta como tal ou não, e possam ou não, ter acordado em ser especificamente amigáveis e sensíveis. E quem beneficia em trata-lo como uma rixa do tipo ‘ Eu ganho, tu perdes’? As chances são, de que apenas os advogados.”

Dawkins revela que poderá haver, apesar de tudo, alguma utilidade na inveja, ou melhor, que existem algumas dúvidas nesta matéria.

“E acerca de outros jogos na vida humana? Quais são os de soma nula e quais de soma não nula? E – porque não são a mesma coisa – quais os aspectos da vida vemos como somas nulas ou não nulas? Que aspectos da vida humana alimentam a ‘inveja’, e quais alimentam a cooperação contra o ‘banqueiro’? Pense, por exemplo, acerca do contrato salarial e nos seus ‘diferenciais’. Quando negociamos os nossos aumentos, seremos motivados pela ‘inveja’, ou cooperamos por forma a maximizar o nosso real rendimento? Assumimos, na vida real com nas experiências psicológicas, de que estamos a jogar um jogo de soma nula quando não estamos? Coloco simplesmente estas perguntas difíceis. A sua resposta está para além do âmbito deste livro.”

Há outro exemplo no mesmo capítulo de transição de um jogo de soma nula para soma não nula, trata-se dum jogo de futebol. Não é um exemplo muito interessante, basicamente descreve um conjunto de 3 equipas, em que uma delas irá descer de divisão. O jogo decorreu no dia 18 de Maio de 1977, e as equipas eram Sunderland, Bristol e Coventry, onde as duas últimas jogavam entre si com um desfasamento ligeiro entre jogos. A mural da história resume-se, às duas últimas equipas deixarem de jogar de uma forma normalmente competitiva, para passarem a jogar “na defensiva” e de forma amistosa, após conhecimento da derrota e descida de divisão da primeira. No entanto, termina o exemplo das equipas de futebol, com o seguinte:

“Desportos de espectadores como o futebol, são normalmente jogos de soma nula por uma boa razão. É mais excitante para as multidões, verem os jogadores a lutar de forma extrema uns contra os outros, do que vê-los a conviver amigavelmente. Mas a vida real, humana, vegetal e animal, não foi criada para benefício de espectadores. Muitas situações na vida real são, de facto, equivalentes a jogos de soma não nula. A natureza normalmente faz o papel de ‘banqueiro’, e os indivíduos podem assim beneficiar do sucesso alheio. Não têm de derrubar os rivais por forma a se beneficiarem. Sem nos afastar-mos das leis fundamentais do gene egoísta, podemos ver como a cooperação e a assistência mútua pode florescer mesmo num mundo basicamente egoísta. Podemos ver como, no significado de Axelrod do termo, bons rapazes terminam em primeiro.”

Um factor muito importante destes jogos, é que sejam iterados, como já foi tornado evidente anteriormente. Mas Axelrod chama a atenção para que estes tenham um fim desconhecido. Ou seja, uma longa ‘sombra no seu futuro’. Essencialmente, nestes jogos os jogadores não poderão ter conhecimento de quando irão terminar. Porque se o souberem, a última ronda será um jogo do dilema do prisioneiro não iterado, cujo desfecho será, como anteriormente evidenciado(4), DESERTA por parte de ambos os jogadores. Como consequência, deixa de haver necessidade de cooperação na penúltima ronda, e ambos os jogadores jogarão DESERTA de forma igualmente racional. E, de forma recursiva, todas as rondas terão como jogada previsível e racional DESERTA, tornando-se assim evidente a razão pela qual, é importante ser desconhecido o momento em que o jogo acaba.

De seguida, Dawkins dá uma excelente visão da continuidade entre jogos do tipo do Dilema do Prisioneiro Iterado e Não Iterado.

“A distinção dos matemáticos entre o jogo de ronda única do Dilema do Prisioneiro e a do Iterado é demasiado simples. Espera-se que cada jogador se comporte, como se possuísse um conhecimento continuamente estimado e actualizado, da duração total do jogo. Quanto mais longa for a sua estimativa quanto à duração do jogo, mais de acordo com a expectativa dos matemáticos de um verdadeiro jogo iterado ele irá jogar: por outras palavras, irá ser, mais amável, mais clemente e menos invejoso. Quanto menos longa for a sua estimativa quanto à duração do jogo, mais inclinado irá estar para jogar segundo a expectativa dos matemáticos de um verdadeiro jogo de ronda única: mais maldoso, e menos clemente.”

A noção do tempo de duração do jogo ou a falta dela, é abordada com um exemplo histórico. Este exemplo, remete-nos para a primeira guerra mundial, onde se desenvolveu um sistema chamado de “live and let live”(5). Este sistema, prosperou na linha da frente de batalha durante pelo menos dois anos, com início em 1914. Nele, o inimigo circulava com grande à vontade ao alcance do fogo das armas do seu próprio inimigo.

“No estado de guerra de trincheiras desses tempos, a sombra do futuro para cada pelotão era longa. Isto é o mesmo que dizer, cada grupo de soldados britânicos entrincheirados, podia esperar estar frente a frente com o mesmo grupo de soldados alemães por muitos meses. Mais, o soldado ordinário nunca sabia quando, ou se alguma vez, iria ser deslocado; ordens militares eram notoriamente arbitrárias, caprichosas e incompreensíveis para quem as recebia. A sombra do futuro era suficientemente longa, e suficientemente indeterminável, para iniciar o desenvolvimento da cooperação do tipo Tit for Tat. Da forma como foi providenciada, a situação era equivalente ao jogo do Dilema do Prisioneiro.

(...)

Cooperação mútua era indesejável do ponto de vista dos generais, porque não os estava a ajudar a ganhar a guerra. Mas era muito desejada do ponto de vista dos soldados de ambos os lados.”

Além da indeterminação do fim do jogo, a capacidade de retaliação é outro dos ingredientes essenciais, para que não hajam “deserções” e o jogo decorra de forma amigável.

“É importante, para qualquer membro da família de estratégias Tit for Tat, que os jogadores sejam punidos pelas deserções. A ameaça de retaliação deve estar sempre presente. Exibições de capacidade de retaliação eram evidenciadas no sistema live and let live. Tiros estrondosos de ambos os lados, mostravam a sua capacidade de fogo, não contra inimigos, mas alvos inanimados perto deles, uma técnica usada igualmente nos filmes do Far West (como o tiro a chamas de velas).”

No fim do capítulo, o caso dos morcegos vampiros é abordado, por forma a realçar a cooperação não parental. Basicamente, os morcegos partem todas as noites à procura de sangue para se alimentarem. No entanto essa tarefa não é fácil, e são muitos os indivíduos que acabam sem a tão desejada refeição. Por outro lado aqueles que conseguem, conseguem-no normalmente em grandes quantidades. Estes morcegos têm a capacidade de partilhar o sangue que possuem, regurgitando-o.

“Wilkinson averiguou o grau de perda de peso dos morcegos esfomeados. A partir destes, determinou o tempo necessário para um morcego saciado morrer de fome, o tempo equivalente para um morcego vazio de sangue, para todos os outros estados intermédios. Isto permitiu-o converter sangue em número de horas de vida prolongada. Ele descobriu, não surpreendentemente, que o grau de partilha é diferente, dependendo de quão esfomeado o morcego está. Uma certa quantidade de sangue adiciona mais horas à vida de um morcego altamente esfomeado, do que à de um menos esfomeado. Por outras palavras, embora o acto de dar sangue aumente as chances do dador morrer, este aumento é pequeno comparado com o aumento das chances de sobrevivência do receptor. Economicamente falando, parece plausível que a economia dos vampiros está conforme as regras do Dilema do Prisioneiro.”

Compreende-se da descrição anterior, que se está perante um jogo do Dilema do Prisioneiro, onde a cooperação se resume à partilha do sangue adquirido. A recompensa é a sobrevivência e a punição em último caso a própria morte.

Dawkins, conclui que tal como nos outros casos, a cooperação dos morcegos vampiros vai para lá das fronteiras de parentesco, e esta é uma conclusão mais importante que os mitos que lhe estão associados.

“Mas se temos de ter mitos, os factos reais acerca dos vampiros poderão dar-nos uma diferente moral da história. Para os próprios morcegos, não é apenas o sangue mais espesso que a água. Eles elevam-se acima dos laços parentais, formando os seus próprios laços duradouros de leal irmandade. Vampiros poderão estar na vanguarda dum confortável novo mito, um mito de partilha, e cooperação mútua. Eles podem pregar a ideia benigna de que, mesmo com genes egoístas no elmo, bons rapazes podem terminar primeiro.”


Documentário em inglês de Richard Dawikins sobre o tema Bons Rapazes Terminam Primeiro.


(1) – Traduzido de http://www-static.cc.gatech.edu/%7Eidris/Essays/Dawkins_The_Selfish_Gene.htm
(2) – Sangue é mais espesso do que água
(3) –
The long reach of the gene – The Selfish Gene, Richard Dawkins
(4) – Bons Rapazes Terminam em Primeiro – Parte 1
(5) – Vive e deixa viver

domingo, 4 de março de 2007

Bons Rapazes Terminam em Primeiro – Parte 3

Continuação do texto Bons Rapazes Terminam em Primeiro – Parte 2(1).

Robustez Estratégica num Ambiente Sórdido

Então, identificámos anteriormente duas características ganhadoras: amabilidade e tolerância. Esta conclusão quase utópica – de que amabilidade e tolerância compensam – foi uma surpresa para muitos dos peritos, que tinham tentado ser muito astutos ao submeter estratégias subtilmente maldosas; enquanto por outro lado, mesmo os que tinham submetido estratégias amáveis, não tinham ousado nada tão tolerante como o Tit for Two Tats.

Axelrod anunciou um segundo torneio. Recebeu 62 entradas e adicionou outra vez a Casual, totalizando 63. Desta vez, o número exacto de movimentos por jogo não foi fixado em 200 mas deixado em aberto, por uma boa razão que abordarei mais tarde. Podemos continuar a expressar pontuações como uma porcentagem do “fiel da balança”, ou do resultado da estratégia ‘coopera sempre’, mesmo que esse fiel da balança necessite de cálculos mais complicados, e não seja fixado nos 600 pontos.

Os programadores no segundo torneio tiveram acesso aos resultados do primeiro, incluindo a análise de Axelrod de porque razão Tit for Tat e outras estratégias tolerantes e amáveis terminaram tão bem. Era esperado que os concorrentes, registassem essa informação de uma maneira ou doutra. De facto, os programadores dividiram-se em duas escolas de pensamento distintas. Alguns, concluíram que amabilidade e tolerância eram qualidades evidentemente ganhadoras, e submeteram assim, estratégias tolerantes e amáveis. John Maynard Smith foi tão longe ao ponto de submeter a super tolerante Tit for Two Tats. A outra escola de pensamento, raciocinou que muitos dos seu colegas, tendo lido a análise do Axelrod, iriam agora submeter estratégias tolerantes e amáveis. Eles submeteram dessa forma estratégias maldosas, tentando assim explorar essas amabilidades antecipadas!

Mas uma vez mais, maldade não compensa. Uma vez mais, Tit for Tat, submetida por Anatol Rapoport, foi a vencedora, e colectou uns massivos 96% da contagem do fiel da balança. E uma vez mais, as estratégias amáveis, em general, terminaram melhor que as maldosas. Todas, excepto uma, das 15 estratégias melhor classificadas eram amável, e na base da classificação, de todas as 15 estratégias, apenas uma não era maldosa. Mas apesar de Tit for Two Tats ter ganho o primeiro torneio se tivesse sido submetida, não ganhou o segundo. Isto porque o novo torneio incluiu estratégias maldosas mais subtis e capazes de vitimar cruelmente tais clemências repetidas.

Isto sustenta um ponto importante sobre estes torneios. O êxito de uma estratégia depende das outras submetidas. Esta é a única maneira de explicar a diferença entre o segundo torneio, em que Tit for Two Tats ficou classificado bem baixo na lista, e o primeiro, em que Tit for Two Tats teria ganho. Mas, como disse anteriormente, isto não é um livro sobre o talento dos programadores. Há alguma forma objectiva de nós podermos concluir qual é a estratégia verdadeiramente melhor, num sentido mais geral e menos arbitrário? Os leitores dos capítulos anteriores já estão preparados para encontrar resposta na teoria da Estratégia Evolucionariamente Estável(2).

Eu fui um desses por quem Axelrod circulou os seus resultados iniciais, com um convite para submeter uma estratégia para o segundo torneio. Eu não o fiz na altura, mas dei uma outra sugestão. Axelrod já tinha começado a pensar segundo os termos de EEE [Estratégia Evolucionariamente Estável, p. 69], mas senti que esta tendência era tão importante que lhe escrevi sugerindo que entrasse em contacto com W. D. Hamilton(3), que estava então, embora Axelrod não o soubesse, num departamento diferente na mesma universidade, a Universidade de Michigan. Ele de facto contactou imediatamente Hamilton, e o resultado da sua colaboração subsequente foi um brilhante artigo conjunto publicado no jornal Science em 1981, um artigo que ganhou o Prémio Newcomb Cleveland Prize of the American Association for the Advancement of Science(4). Além de discutir alguns exemplos biológicos encantadoramente excêntricos do dilema do prisioneiro iterado, Axelrod e Hamilton deram, o que eu considero como o devido reconhecimento à abordagem da EEE.

Contraste a aproximação de EEE com o sistema ‘round-robin’(5) que os dois torneios de Axelrod seguiram. Um round-robin é como uma liga de futebol. Cada estratégia foi confrontada contra cada uma das outras num número igual de vezes. A contagem final de uma estratégia foi a soma dos pontos ganhos contra todas as outras. Para ser bem sucedido num torneio de round-robin, uma estratégia tem de ser um bom competidor contra todas as outras que as pessoas possam ter submetido. Axelrod definiu que uma estratégia é ‘robusta’ quando é boa contra uma larga variedade de outras. Tit for Tat provou ser um estratégia robusta. Mas o conjunto de estratégias que as pessoas submeteram é arbitrário. Este era o ponto que nos preocupava acima. Aconteceu simplesmente que no torneio original de Axelrod, cerca de metade das estratégias eram amáveis. Tit for Tat ganhou neste clima, e Tit for Two Tats teria ganho neste clima se tivesse sido submetida. Mas suponha que quase todas as estratégias submetidas tivessem sido maldosas. Isto poderia muito facilmente ter ocorrido. Afinal de contas, 6 das 14 estratégias submetidas eram maldosas. Se 13 delas tivessem sido maldosas, Tit for Tat não teria ganho. O ‘ambiente’ teria sido mau para ele. Não só o dinheiro ganho, mas a ordem de êxito, depende das estratégias submetidas; depende, por outras palavras, de algo tão arbitrário quanto o capricho humano. Como poderemos nós, reduzir estas arbitrariedades? ‘pensando na EEE’.

A característica importante de uma estratégia evolutivamente estável, lembrar-se-á dos capítulos anteriores, está no facto de esta continuar a terminar bem, quando se torna numerosa numa população de estratégias. Dizer-se que Tit for Tat, é uma EEE, é o mesmo que dizer que Tit for Tat termina bem num ambiente dominado por Tit for Tats. Isto pode ser visto como um tipo especial de ‘robustez’. Como evolucionistas, somos tentados a vê-lo como o único tipo de robustez que importa. Por que importa tanto? Porque, no mundo do Darwinismo, vitórias não são pagas com dinheiro; elas são pagas como descendência. Para um Darwinista, uma estratégia bem sucedida é uma que se torna numerosa numa população de estratégias. Para uma estratégia permanecer bem sucedida, deve terminar bem especificamente quando é numerosa, isso é, num ambiente dominado por cópias de si própria.

Axelrod, aliás, lançou uma terceira ronda no seu torneio parecida à forma como a selecção natural poderia tê-lo feito através da EEE. Na realidade não lhe chamou terceiro Torneio, visto não ter solicitado novas entradas, mas, usou as mesmas 63 que as do Torneio 2. Acho conveniente tratá-lo como Torneio 3, porque penso diferir dos dois torneios ‘round-robin’ fundamentalmente mais, do que estes entre si.

Axelrod pegou nas 63 estratégias e inseriu-as outra vez no computador para criar ‘a geração 1’ de uma sucessão evolutiva. Na ‘geração 1’, portanto, o ‘ambiente’ consistiu numa representação igualitária de 63 estratégias. No fim da geração 1, as vitórias para cada estratégia serão pagas, não com “dinheiro” nem com “pontos”, mas com progénie, idêntica aos seus (assexuados) pais. Com o passar das gerações, algumas estratégias tornaram-se mais escassas e eventualmente extintas. Outras, tornaram-se mais numerosas. Como as proporções mudaram, mudou também, o “clima” no qual os movimentos futuros se desenrolaram.

Eventualmente, após aproximadamente 1.000 gerações, não havia mais nenhuma alteração nas proporções, mais nenhuma mudança no clima. A estabilidade teria sido alcançada. Antes disto, a prosperidade das várias estratégias oscilará, tal como na minha simulação de computador constituída por Vigaristas, Papalvos, e Grudgers. Algumas das estratégias começaram a extinguir-se logo desde o início, e a maioria foi extinta por volta da geração 200. Das estratégias maldosas, uma ou duas delas aumentaram a sua frequência, mas a prosperidade destas, como a do Vigarista na minha simulação, foi breve. A única estratégia maldosa a sobreviver para além da geração 200 foi a chamada de Harrington. A prosperidade de Harrington aumentou abruptamente nas primeiras 150 gerações. Depois declinou gradualmente, aproximando-se da extinção por volta da geração 1.000. Harrington prosperou bem temporariamente pela mesma razão que a do meu Vigarista original. Explorando a brandura dos Tit for Two Tats (demasiado clementes) enquanto estes se moviam em redor. Então, assim que tais branduras foram extintas, Harrington seguiu essa mesma extinção, por não ter agora nenhuma presa fácil à sua volta. O campo foi deixado livre para as estratégias ‘amáveis’ mas ‘retaliadoras’ como a Tit for Tat.

Tit for Tat, de facto, ficou no topo em cinco das seis rondas do Torneio 3, tal como nos Torneios 1 e 2. Cinco outras estratégias amáveis, mas retaliadoras, terminaram quase tão bem sucedidas (presença na população) como a Tit for Tat; de facto, uma delas ganhou a sexta ronda. Quando todas as estratégias maldosas foram extintas, não havia forma destas estratégias amáveis poderem ser distinguidas da Tit for Tat ou qualquer uma das outras, porque, sendo todas amáveis, simplesmente jogaram COOPERA umas contra as outras.

Uma consequência desta indistinguibilidade, é a de, apesar de Tit for Tat parecer uma EEE, estritamente falando não é uma EEE. Para ser uma EEE, lembre-se, uma estratégia não pode ser invadida quando é comum, por uma rara estratégia mutante. Agora, é verdade Tit for Tat não poder ser invadida por nenhuma estratégia maldosa, mas por outras estratégia amáveis a situação muda de figura. Como acabámos de ver, numa população de estratégias amáveis estas irão parecer e comportar-se de forma exactamente igual: irão jogar sempre COOPERA. Então, qualquer outra estratégia amável, como a totalmente santa “Coopera Sempre”, embora reconhecidamente não goze de uma vantagem selectiva positiva sobre a Tit for Tat, pode no entanto mover-se na população sem se fazer notar. Assim, tecnicamente Tit for Tat não é uma EEE.

Poderá pensar que, desde que o mundo permaneça igualmente amável, poderíamos considerar também Tit for Tat como uma EEE. Mas repare no que acontece de seguida. Ao contrário de Tit for Tat, a Coopera Sempre não é estável contra a invasão de estratégias maldosas como a Deserta Sempre. A Deserta Sempre prospera bem contra a Coopera Sempre, visto receber sempre a alta recompensa da ‘Tentação’. Estratégias maldosas como a Deserta Sempre, controlarão o número de estratégias demasiado amáveis como a Coopera Sempre.

Mas embora Tit for Tat não seja estritamente uma EEE, será provavelmente justo tratar algum tipo de mistura de comportamento amável e retaliativo parecido ao da ‘Tit for Tat’ como uma estratégia praticamente equivalente a uma EEE. Tal mistura talvez inclua uma pequena quantidade de precipitação. Robert Boyd e Jeffrey Lorberbaum, numa das continuações(6) mais interessantes do trabalho de Axelrod, procuraram uma mistura de Tit for Two Tats e uma estratégia chamada “Tit for Tat Desconfiado”. Tit for Tat Desconfiado é tecnicamente maldoso, mas não muito. Comporta-se tal como um Tit for Tat após o primeiro movimento, mas – e isto é que faz dele tecnicamente maldoso – deserta no primeiro movimento do jogo. Num clima inteiramente dominado por Tit for Tat, Tit for Tat Desconfiado não prospera, pois a sua deserção inicial desencadeia um ciclo de retaliação mútua. Mas quando encontra um Tit for Two Tats, por outro lado, a clemência de Tit for Two Tats quebra qualquer ciclo de recriminação mútua. Ambos os jogadores terminam o jogo com pelo menos a contagem do ‘fiel da balança’ da cooperação mútua, e com o Tit for Tat Desconfiado a colectar um bónus pela sua deserção inicial. Boyd e Lorberbaum mostraram que uma população de Tit for Tat pode ser invadida, evolutivamente falando, por um mistura de Tit for Two Tats e Tit for Tat Desconfiado, os dois a prosperar na companhia um do outro. Esta combinação quase certamente não é a única que a pode invadir desta maneira. Há provavelmente muitas misturas de estratégias ligeiramente maldosas com estratégias amáveis e muito clementes que juntas, são capazes de invadir. Alguns, poderão talvez ver isto como um espelho para os aspectos familiares da vida humana.

Axelrod reconheceu Tit for Tat com uma não EEE, e consequentemente cunhou o termo ‘Estratégia Colectivamente Estável’ para o descrever. Como no caso duma verdadeira EEE, é possível para mais do que uma estratégia ser simultaneamente uma Estratégia Colectivamente Estável. E uma vez mais, é uma questão de sorte saber qual virá a dominar uma determinada população. Deserta Sempre é também estável, assim como Tit for Tat. Numa população que venha a ser dominada por Deserta Sempre, nenhuma outra estratégia fará melhor. Podemos tratar o sistema como biestável, com o Deserta Sempre como um dos pontos estáveis, e Tit for Tat (ou alguma mistura de estratégias fundamentalmente amáveis e retaliadoras) como outro. Qualquer que seja o ponto estável que venha a dominar a população, tenderá a permanecer dominante.

Mas o que significa “dominar” em termos quantitativos? Quantos Tit for Tat terão de haver por forma a que Tit for Tat prospere em detrimento do Deserta Sempre? Isso depende dos pagamentos que o banqueiro definir para este jogo particular. Duma forma geral, tudo o que podemos dizer é que há uma frequência crítica, um limiar. Dum lado desse limiar, a frequência crítica de Tit for Tat é excedida, e a selecção favorecerá cada vez mais os Tit for Tat. No outro lado do limiar, a frequência crítica de Deserta Sempre é excedida, e a selecção favorecerá cada vez mais os Deserta Sempre. Encontramos o equivalente deste limiar, lembrar-se-á, na história do Grudgers e dos Vigaristas no Capítulo 10(7).

Importa obviamente, de que lado deste limiar uma população se inicia. E necessitamos de saber como poderá, uma população cruzar este limiar de um lado para o outro. Suponhamos que começamos com uma população que se encontra à partida do lado do Deserta Sempre. Os poucos indivíduos Tit for Tat não se irão encontrar o número de vezes suficiente para haver um benefício mútuo. Assim, a selecção natural empurrará a população ainda mais na direcção extrema do Deserta Sempre. Se ao menos a população pudesse administrar, por movimentos casuais, por forma a ultrapassar o limiar, a encosta para o lado do Tit for Tat, e dessa forma todos ganhariam muito mais às custas do banqueiro (ou natureza). Mas, claramente, populações não têm propósito, nem intenção ou vontade de grupo. Estas não se podem esforçar em pular o limiar. Estas cruzá-lo-ão apenas se as forças sem orientação da natureza, as dirigir nesse sentido.

Como poderá acontecer? Uma forma de expressar a resposta é que talvez aconteça por ‘acaso’. Mas ‘acaso’ é somente uma palavra que expressa ignorância. Significa ‘determinado por algum meio até agora desconhecido, ou por especificar’. Podemos fazer um pouco melhor que o simples ‘acaso’. Podemos tentar pensar em termos práticos pelos quais uma minoria de indivíduos Tit for Tat possa atingir uma massa crítica. Isto remete-nos para uma busca de possíveis maneiras, em que Tit for Tat se possam aglomerar num número suficiente de indivíduos por forma a beneficiarem às custas do banqueiro.

Esta linha de pensamento parece prometedora, mas é no entanto bastante vaga. Como poderão exactamente, indivíduos semelhantes aglomerarem-se num determinado local? Na natureza, o meio óbvio é o da ligação genética – parentesco. Os animais na maioria das espécies encontram-se normalmente a viver junto das suas irmãs, irmãos e primos, em vez de juntos a membros aleatórios da população. Isto não será necessariamente por escolha. É consequência imediata da “viscosidade” na população. A viscosidade significa qualquer tendência para os indivíduos continuarem a viver perto do local em que nasceram. Por exemplo, pela maioria da história, e na maioria das partes do mundo (embora não, como acontece, no nosso mundo moderno), indivíduos humanos raramente se desviaram mais do que algumas milhas de seu local de nascimento. Como resultado, agrupamentos locais de parentes tendem a acumular-se. Lembro-me de ter visitado uma ilha remota da costa ocidental da Irlanda, e de ter ficado espantado pelo facto de quase todos na ilha terem as orelhas enormes. Isto não podia ter estado relacionado com o clima (ventos fortes no mar alto). Assim era, porque a maioria dos habitantes da ilha eram parentes próximos.

Parentes genéticos tenderão a ser semelhantes não só nas suas características faciais, como igualmente em todas as outras. Por exemplo, eles tenderão a assemelhar-se no que diz respeito à tendência genética para jogar – ou não jogar – Tit for Tat. Portanto, mesmo que Tit for Tat seja raro na população como um todo, poderá mesmo assim ser localmente comum. Localmente, indivíduos Tit for Tat podem encontrar-se com a frequência suficiente para prosperarem através da cooperação mútua, mesmo que, o cálculo que leva apenas em conta a frequência global na população total, possa sugerir que estes estão sob o ‘limiar’ de frequência crítico.

Se isto assim é, indivíduos Tit for Tat, cooperando uns com os outros em pequenos enclaves de forma cómoda, poderão prosperar tanto, ao ponto de passarem de pequenos agrupamentos locais para agrupamentos locais bem maiores. Estes aglomerados locais podem crescer tanto, que se estenderão a outras áreas, áreas que até então tenham sido dominadas, numericamente, por indivíduos jogando Deserta Sempre. Pensando nestes enclaves locais, a minha ilha irlandesa é uma enganadora analogia, porque fisicamente se encontra isolada. Pense, em vez disso, numa grande população em que não há muito movimento, de modo que os indivíduos tendem a assemelhar-se mais com os seus vizinhos imediatos do que com os mais distantes, mesmo que hajam misturas contínuas sobre toda a área.

(a continuar)


(1) – Traduzido de http://www-static.cc.gatech.edu/%7Eidris/Essays/Dawkins_The_Selfish_Gene.htm
(2) – Ver Pombos e Falcões - http://seremosricos.blogspot.com/2007/01/pombos-e-falces.html
(3) – William Donald Hamilton, http://en.wikipedia.org/wiki/W._D._Hamilton
(4) –
American Association for the Advancement of Science, http://www.aaas.org/
(5) – Round-robin tournament, http://en.wikipedia.org/wiki/Round-robin_tournament
(6)
– No strategy is evolutionarily stable in the repeated prisoner's dilemma, http://www.ncbi.nlm.nih.gov/entrez/query.fcgi?cmd=Retrieve&db=PubMed&list_uids=8022193&dopt=Citation
(7) – You scratch my back, I’ll ride yours – The Selfish Gene, Richard Dawkins